ainda o hiper
Um dia
destes, ia eu muito descansadinho ao hipermercado, que é uma coisa que faço
amiúde porque me esqueço sempre de alguma coisa e as mercearias de bairro são
chão que já deu uvas, e deparo-me com mais uma campanha, das muitas, que por lá
vão acontecendo. Filantropias…
Desta vez,
era uma a favor do Banco Alimentar contra a fome.
Bem, a
instituição merece-me todo o respeito e crédito, mas o hipermercado não. Há ali,
logo à partida, um conflito de intenções que me preocupa. O hipermercado,
sei-o, não dá nada a ninguém. Era, pois, de desconfiar.
Normalmente, nestas
situações, compro uma palete de qualquer coisa, leite por exemplo, que remédio,
sempre saio com a consciência apaziguada, mas desta vez, o que me era pedido,
era que comprasse cupões e não em bens alimentares.
Olha, pensei
com os meus botões, é uma ideia interessante. E por três razões: primeiro
porque o Banco terá os alimentos disponíveis sempre que necessite deles; segundo
porque não se corre o risco de os alimentos ficarem fora de prazo; terceiro,
porque não preciso de carregar os bens nem o Banco de tratar de organizar os
alimentos numa rede de separação difícil e pesada, mesmo que realizada com
voluntários.
Mas o
conflito de interesses estava em lançado na minha cabeça. Por isso quis saber,
ainda assim, de que maneira é que o hipermercado, no caso o mesmo da palhaçada
do primero de maio, participava
nessa campanha. O que dava. Quanto dava. Quando dava. Por isso, pedi informações.
Depois de
esperar tempos infindos que alguém das relações públicas me explicasse o que eu
pretendia que me fosse explicado, verifiquei – estranhamente, sem espanto
nenhum - que o hipermercado não contribuia com rigorosamente nada. Nicles. Nem
um quilo de acúcar, nem um litro de leite, nem uma lata de salsichas. Deixavam
utilizar o equipamento. Para a
cadeia de distribuição, aquilo é só mais um negócio. Apenas negócio.
Negócio que lucra com a miséria. Ou seja, negócio miserável. Nós compramos lá
os bens ao mesmíssimo preço, mesmo que em cupões - venha a nós o vosso euro – e
o hiper fecha-se em copas. Ainda por cima, lucra descaradamente com as nossas dádivas,
porque faz da nossa generosidade, coisa sua. Quando entrega o que nós damos,
diz que é dádiva sua. Eticamente deplorável. E por fim, a cereja no topo do
bolo da destemperança, declara estas entregas, dizem-me, na declaração de
impostos, beneficiando financeiramente deste falso gesto altruista.
E nesse
momento pensei nos abutres que, como nos filmes de cow-boys da minha juventude,
eram sempre os primeiros a chegar quando lhes cheirava a cadáver, que é o cheio
que está instalado na sociedade portuguesa.
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