pingo agridoce
Num momento em que,
civilizadamente, os homens caminhavam para a sua felicidade, ainda que uma
felicidade materialista, feita de coisas descartáveis – umas – mas efectivas –
outras, – onde questões essenciais eram mais ou menos garantidas, território
frequentado naturalmente pelos trabalhadores (que, regra geral, são os seres
que estão na cauda da cadeia dos direitos e os ultimos a conseguir essa
felicidade pretendida), eis que essas conquistas laborais, que levaram séculos
a conseguir, desabam como um castelo de cartas.
Como se não bastasse este
retrocesso, eis a cereja no cimo do bolo da desconsideração: a cadeia Pingo
Doce (é engraçada a utilizaão da palavra ‘cadeia’ neste contexto, não é?) escolhe
para dia da sua campanha especial de corrida, o primeiro de maio, data
emblemática, precisamente, dos avanços civilizacionais de que falava antes.
E essa escolha, digo-vos,
foi tudo menos inocente.
Primeiro: A notícia de que
um qualquer supermercado, em guerra com outros supermercados ou não, decide
baixar os preços, é uma optima notícia. Quer dizer, é optima, mas tb nem por
isso. Optima, porque permite aos menos favorecidos, comprar com menos esforço
económico; nem por isso, porque é sinal claro de que as margens de lucro praticadas
estão acima do razoável – para o consumidor – em prejuízo, provavelmente do
produtor que é quem tem a fatia maior do trabalho. Aliás, ainda não percebi
qual é realmente a função do distribuidor, (para além dessa, da óbvia, que
qualquer pessoa faria, diga-se), para ganharem à cabeça mais que o fulano que
produz o bem, quando o seu único trabalho é levar o produto de um sítio para o
outro…
Portanto, sempre que um
produto baixar de preço, eu aplaudirei.
Mas não à custa dos
produtores, como parece ser o caso desta cadeia e desta recente campanha.
Mas não em dias especiais,
como o primeiro de maio. Não nos admiremos se, se não se tiver mão nisto, um
dia destes, em dia de eleições, inventarem nova iniciativa, daquelas que
boicotam literalmente a ida às urnas. Se bem que à classe política pouco
importe que a votação baixe ainda mais, uma vez que têm garantidos o mesmo
número de lugares na gamela do poder, quer a abstenção seja elevada ou não…
Há uma outra nota sobre a
qual importa reflectir: as cenas verificadas nas diferentes lojas e nas mais
díspares cidades, vem colocar o dedo em duas possíveis realidades sangrantes: a
primeira é a de que, qualquer campanha que se faça e onde cheire a coisa mais barata,
lá teremos o povão a encher o carrinho, precise ou não das coisas que estão
disponíveis nas prateleiras. Vale sempre a pena, dizem, e lá abalam com as
bagageiras do carro repletas de coisas que usarão daqui a não sei quantos
meses, isto se os ratos entretanto não derem cabo delas e não lhes chamarem um
figo;
A outra, a de que a
austeridade imposta aos portugueses, descamba nesta sede selvagem de tudo,
nesta sofreguidão que só interessa aos donos dos bens, que com estas miseráveis
aparas de queijo, chamam a si os tristes portugas, os fazem vir comer à sua mão,
sem que o rato se aperceba de que, submissos e alienados, são presa fácil para
quem os domina a seu bel-prazer.
No supermercado, como na
mesa de voto.
Eu aposto que já devo ter
votado ‘democraticamente, e não sei quantas vezes, no Pingo Doce. Há-de haver
um ou muitos mais deputados, que estão na assembleia em representação dos
interesses dessa gente.
Acham que estou a exagerar?
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