as tascas e a casa da corda
Uma peça televisiva recente, inclusa num noticiário, alertava para o facto de estarem em vias de desaparecimento um conjunto de pequenos estabelecimentos comerciais, as chamadas tascas, fruto da proliferação massiva dos cafés - espaços de mobiliário repetido, tipo restaurante chinês, rápidos de construir e mais politicamente correctos. Outros pequenos estabelecimentos, sabe-se, estão igualmente em vias de desaparecimento, desde o chamado comércio tradicional, até outras pequenas estruturas que têm, objectivamente, os dias contados.
A peça jornalística falava, porém, de uma associação recém-criada que tem como objecto da sua existência, a defesa dessas pequenas estruturas, a preservação da sua específica decoração, os petiscos e os vinhos que normalmente apresentam para degustar, e a publicidade característica a práticas comerciais, verdadeiras obras de arte popular, desde os cartazes que anunciam não se praticar fiado naquele estabelecimento (queres fiado? toma!), até a promoção de alguns produtos que normalmente encimavam o balcão corrido de cada uma delas. Para lá disso, há ainda as formas variadas de exposição de literatura de cordel, por exemplo, o calendário da menina despida em lugar de destaque, a disposição das pipas, o ramo de loureiro por cima da porta de entrada, os enchidos, etc.
A existência desta associação parece-me uma bela ideia, se ainda se for a tempo de salvar alguma coisa. Os estabelecimentos que existem, creio, sobrevivem especialmente graças à incapacidade dos proprietários para fazer deles algo mais do que são, ou porque são gente envelhecida ou porque não saberiam fazer nada mais para além do que sempre fizeram a vida toda. Estes são, muitas vezes, lugares de refúgio, quer de clientes, quer de patrões.
O que eu não sabia, e fiquei a sabê-lo graças a essa associação, é que uma das tradições agregadas a este movimento de tascas (no tempo em que se dizia que o vinha dava de comer a não sei quantos milhões de portugueses…), era a existência da casa da corda, uma sala ao lado da tasca, onde pontificava uma corda bamba presa de parede a parede, sob a qual se estendiam um ou mais bancos corridos. Quando se cansavam do convívio na tasca ou taverna (é curioso como pode escrever-se quer com «v» ou com «b»), os clientes sentavam-se nos bancos e passavam os braços por cima da corda, junto aos sovacos, digamos, e assim, mais ou menos pendurados, dormitavam um pouco, até que o cansaço passasse. Podia não ser confortável mas, pelo menos, tinham a garantia de que não caíam.
Para mim, esta história, como a moeda, tem duas faces.
Cara: as tascas, ainda que escasseando, lá se vão aguentando; a casa da corda é que não.
Coroa: mesmo com o declínio das tavernas, a casa da corda permanece mais presente que nunca. Estamos todos pendurados há não sei quantos anos, há espera do descanso que nunca mais chega. O grande perigo, como me lembrava esta manhã um dos amigos dos domingos matinais, é que, com o tempo, fomos deixando o corpo escorregar pela corda abaixo e, agora, o barbante já não nos segura pelos sovacos, mas sim pelo pescoço. Receio que, aproveitando a corda cada vez mais bamba, possa apetecer ao poder, num golpe de capricho, dar uma volta completa ao cordel. Ficávamos mais seguros, pois, mas estrangulados no sisal.
A peça jornalística falava, porém, de uma associação recém-criada que tem como objecto da sua existência, a defesa dessas pequenas estruturas, a preservação da sua específica decoração, os petiscos e os vinhos que normalmente apresentam para degustar, e a publicidade característica a práticas comerciais, verdadeiras obras de arte popular, desde os cartazes que anunciam não se praticar fiado naquele estabelecimento (queres fiado? toma!), até a promoção de alguns produtos que normalmente encimavam o balcão corrido de cada uma delas. Para lá disso, há ainda as formas variadas de exposição de literatura de cordel, por exemplo, o calendário da menina despida em lugar de destaque, a disposição das pipas, o ramo de loureiro por cima da porta de entrada, os enchidos, etc.
A existência desta associação parece-me uma bela ideia, se ainda se for a tempo de salvar alguma coisa. Os estabelecimentos que existem, creio, sobrevivem especialmente graças à incapacidade dos proprietários para fazer deles algo mais do que são, ou porque são gente envelhecida ou porque não saberiam fazer nada mais para além do que sempre fizeram a vida toda. Estes são, muitas vezes, lugares de refúgio, quer de clientes, quer de patrões.
O que eu não sabia, e fiquei a sabê-lo graças a essa associação, é que uma das tradições agregadas a este movimento de tascas (no tempo em que se dizia que o vinha dava de comer a não sei quantos milhões de portugueses…), era a existência da casa da corda, uma sala ao lado da tasca, onde pontificava uma corda bamba presa de parede a parede, sob a qual se estendiam um ou mais bancos corridos. Quando se cansavam do convívio na tasca ou taverna (é curioso como pode escrever-se quer com «v» ou com «b»), os clientes sentavam-se nos bancos e passavam os braços por cima da corda, junto aos sovacos, digamos, e assim, mais ou menos pendurados, dormitavam um pouco, até que o cansaço passasse. Podia não ser confortável mas, pelo menos, tinham a garantia de que não caíam.
Para mim, esta história, como a moeda, tem duas faces.
Cara: as tascas, ainda que escasseando, lá se vão aguentando; a casa da corda é que não.
Coroa: mesmo com o declínio das tavernas, a casa da corda permanece mais presente que nunca. Estamos todos pendurados há não sei quantos anos, há espera do descanso que nunca mais chega. O grande perigo, como me lembrava esta manhã um dos amigos dos domingos matinais, é que, com o tempo, fomos deixando o corpo escorregar pela corda abaixo e, agora, o barbante já não nos segura pelos sovacos, mas sim pelo pescoço. Receio que, aproveitando a corda cada vez mais bamba, possa apetecer ao poder, num golpe de capricho, dar uma volta completa ao cordel. Ficávamos mais seguros, pois, mas estrangulados no sisal.
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