quinta-feira, outubro 20, 2005

Notas de Viagem VI

Para onde foram as dezenas, centenas de pilas, arrancadas à força de martelo, da estatuária exposta em Roma?
Uma visita, por muito rápida, ao Capitólio (ao Musei Capitolini, talvez seja melhor escrevê-lo assim; ou à «máquina de escrever» como o vulgo decidiu chamar-lhe, epíteto por que ainda hoje responde), denuncia a barbárie. De entre as centenas de peças patentes nas várias salas, poucas são as que, representando o género masculino, lograram salvar o símbolo da sua masculinidade. Talvez que Roma, em algum momento, tenha conhecido época mais tacanha, obscurantista, e tenham, então, vingado, como se fora palavra de ordem, as «decapitações» selváticas, cujos momentos cruciais ainda hoje se adivinham, até nos golpes vesgos que falharam o alvo por muito pouco, arrancando outros pedaços de pele pétrea. Em muitos casos, a barbárie conheceu gestos ainda mais disformes de brutalidade, que dispensaram a cirurgia do cinzel, afirmando-se apenas na fúria poderosa da maceta. A época, ou o gesto, ou o que quer que seja, testemunha-se não apenas lá, mas em muitos outros lugares, onde se preserva essa memória, na carne viva das estátuas que, ainda hoje, nos gritam esses horrores eunucos perante os olhos.