sábado, dezembro 31, 2005

VOTOS GULOSOS - receita para esta noite

Nós podemos viver alegremente,
Sem que venham, com fórmulas legais,
Unir as nossas mãos eternamente,
As mãos sacerdotais.

Eu posso ver os ombros teus desnudos,
Palpá-los, contemplar-lhes a brancura,
E até beijar teus olhos tão ramudos,
Cor de azeitona escura.

Eu posso, se quiser, cheio de manha,
Sondar, quando vestida, p'ra dar fé,
A tua camisinha de bretanha,
Ornada de crochet.

Posso sentir-te em fogo, escandecida,
De faces cor-de-rosa e vermelhão,
Junto a mim, com langor, entredormida,
Nas noites de Verão.

Eu posso, com valor que nada teme,
Contigo prepara lautos festins,
E ajudar-te a fazer o leite-creme,
E os mélicos pudins.

Cesário Verde

votos

Entre Coruche e Montemor-o-Novo, com a geografia a mudar rapidamente ao ritmo de cada curva, estava pastando (como deve dizer quem viaja para sul e cada vez mais se aproxima da planície alentejana, mesmo que ela esteja também a mudar - do tradicional cultivo de sequeiro para o regadio novo que vai ganhando adeptos) um enorme rebanho, em extensão e em número de animais. Largas dezenas de ovelhas, uma centena, talvez. O curioso é que todas estavam mais ou menos enterradas na erva, as cabeças e as patas, alheias à estrada e a tudo o resto que, não sendo muito, era o tudo que havia: os carros, as núvens, os pensamentos, os homens que passavam vindos do pão. Nunca a curiosidade atacou as ovelhas nem atacará, pensei no momento, pelo menos enquanto a barriga não estiver cheia e o apetite saciado. E fechei o pensamento.
Usando a imagem do rebanho que experimentei (sobretudo depois de ter recebido um livrinho que conta a história do 25 de abril às crianças & a todos), desejo que em 2006 todos saibamos levantar a cabeça da erva tenra e fresquinha com que nos tenteiam, e consigamos, libertos dela, olhar à volta. Pode ser que, então, vejamos o que está, aparentemente, invisível até agora.
Bom Ano.

quinta-feira, dezembro 29, 2005

esta democracia...

Eram treze os pré-candidatos à Presidência da República, depois de terem formalizado, mal ou bem, as respectivas candidaturas, ou seja, terem dito que desejam ser presidentes da república portuguesa e feito entrega da documentação essencial. Agora o Tribunal Constitucional debruçou-se sobre os respectivos processos, e disse que nem todos cumprem os requisitos necessários. Em função desta avaliação, os não aceites têm dois dias para recorrer (acho). Dos treze auto-propostos, apenas seis estão conformes com o que determina a lei e, pelo que li na imprensa, há mais dois que estão em vias de resolução das deficiências detectadas.
Estas eleições, nos media, começaram já há muito tempo. Entenderam os jornalistas e as respectivas empresas de comunicação, que às eleições apenas concorreriam cinco cidadãos, todos merecedores dos nossos mais civilizados respeitos, mas deixando de lado, para já, um dos seis que vão disputar as eleições e, porventura, resolvidas as coisas, três. Garcia Pereira, por exemplo, não teve direito a tempo de antena nos debates realizados em nenhuma nas televisões, e que eu saiba, mesmo que essa situação seja agora amenizada, já foram realizados dez debates de que ele esteve afastado.
Que democracia é esta, que logo à partida, coloca fora da luta, uma das pessoas que se dizia em processo de candidatura? É esta a democracia que queremos ter? É para esta democracia que votamos, chutando para o lado um (ou três, ou quantos fossem) dos candidatos, tão candidato como qualquer um dos outros, que participou na coisa? A partir de que dados é que se escolhem e integram na lógica dos debates, cinco deles, em prejuízo de um sexto, ou de um sétimo ou oitavo ou tantos quantos se tiverem proposto correctamente? É isso que determina a Constituição, a tal lei que qualquer deles terá de jurar se, porventura, ganhar a eleição? E que tomada de posição pública assumiram os candidatos, (privilegiados em relação a este, que esteve sempre fora da corrida), e que está, também por isso, longe da disputa efectiva de um resultado esclarecedor? Que veemência puseram na condenação?

o natal dos hospitais

Acho que primeiro foi o Jornal de Noticias quem, altruisticamente, começou com a iniciativa. Depois a televisão – a única que existia, a da taxa – começou a transmitir o espectáculo em directo. Eu lembro-me de alguns, na minha infância, quando a TV era coisa inusitada ainda, havia-as nas montras das lojas de electrodomésticos, apenas, e em alguns cafés. Em minha casa entrou, já muito tardiamente, uma em segunda mão, acoplada (ou vice-versa) a um estabilizador de corrente, ou porque era necessário ter todos os cuidados com o objecto, ou porque, pura e simplesmente, fosse indispensável à recepção, não sei. Do que me lembro nitidamente, é da excitação com que se seguiam os artistas na ordem de apresentação do espectáculo, do menos cotado para o mais conhecido.
Agora, sem querer ser má-língua, as transmissões são coisas inúteis, às vezes contraproducentes mesmo. Se o doente já estava mal, depois da longa série de pimbalhices a que são sujeitos, arriscam-se a um tempo de convalescença ainda maior que o previsto. Eu vi-os, aos doentes, a assistir à coisa. Alguns, acamados, sem poderem dar de frósques, tiveram que aguentar a verborreia dos apresentadores, as mensagens natalícias, as actuações indescritíveis. Outros estavam lá porque não tinham mais nada para fazer. Acredito que alguns estavam lá obrigados, que eu bem lhes via nas caras o horror do momento. E depois ainda havia o pessoal médico, com gorros vermelhos enfiados até às orelhas, felizes da vida pela fuga à rotinha, sem rondas para cumprir, injecções para dar (aguentem lá um bocadinho, porra, que hoje é o natal dos hospitais…), febres para medir, ou algálias para renovar. Nós em casa (pelo menos eu) doentes como os demais ou então não estávamos ali, a fazer zaping, claro, mas a passar pelo canal de vez em quando, para ver quão baixo eram capazes de descer. E depois havia os artistas emprateleirados que, de borla, paciência!, apareciam na montra da televisão, pode ser que alguém veja e os contrate. Claro que também havia os bem intencionados, mas de boas intenções está o inferno cheio, não é assim que diz o povo? Finalmente, as televisões, que por tuta e meia, encheram uma data de horas as suas emissões, sem gastar cheta.
Para o ano há mais.

terça-feira, dezembro 27, 2005

a praga

Confesso que cheguei a pensar que este ano não resistia à praga dos pais natais pendurados em tudo o que era superfície. Para onde quer que me voltasse, só via aqueles seres vermelhuscos trepando, trepando, trepando, ou parede acima ou em busca de qualquer telhado, por mais íngreme que fosse, em direcção a um qualquer sítio impossível. Desse lá para onde desse, até para nenhures, eles lá iam, com um saco às costas, arriscando escaladas impensadas, a caminho sabe-se lá de quê. Alguns tinham luz própria, outros trepavam numa escada iluminada que às vezes se acendia e outras se apagava, ora ritmadamente, ora sem ritmo aparente que não fosse aquele que ilustrava a intrepidez da façanha e, já agora, sejamos honestos, a estupidez do gesto. Outros estavam em degraus tortuosos, subindo escadas iluminadas e no momento seguinte em que chegavam ao topo, retornavam ao ponto de partida e assim penavam toda a noite, e noite após noite toda a vida, em subidas sem nexo e sem aparente (e desaparente) sequência. Que faziam os pais natais arriscar escaladas para telhados deschaminézados, em prédios com aquecimento central? E depois havia-os de todos os tamanhos: ridiculamente pequenos; maiorezinhos, mas na dioptria da distância, mais pequenos que os mais pequenos; havia-os grandes e espalhafatosos; havia-os de plástico e de outros materiais; etc…
Pior, muito pior que a gripe das aves (que de terrível ameaça, passou a esquecimento propositado – será que já foi vendido todo o stock da vacina, e já não há mais negócios a fazer, pelo menos por enquanto?), a epidemia (ou pandemia) dos pais natais alpinistas made in china, foi mais barulhenta que o próprio barulho e incomodou meio mundo.
Só espero que não lhes aconteça o mesmo que às bandeiras nacionais, que permaneceram nas janelas de algumas casas até se desfazerem em fiapos descoloridos, havendo ainda alguns sinais (felizmente poucos, cada vez menos) da praga que nos assolou em tempos, à pala do europeu de futebol.
Nesta época natalícia, pior, só mesmo o Natal dos Hospitais.

quinta-feira, dezembro 22, 2005

et pourtand dans le monde

" Tu me diras que `j'ai tort de chanter
la revolution et la liberté
que tout ça ne sert á rien
que ce n'est pas encore pour demain

et pourtand dans le monde
d'outres voix me reponde
et pourtadd dans le monde......"
Georges Moustaki- et pourtand dans le monde

Evo Morales é o novo presidente da Bolivia com mais de 50% dos votos.

segunda-feira, dezembro 19, 2005

atchim 5

De antigamente nos chega a velha prática de adivinhação do futuro, observando o voo das aves, e através, também, da análise das vísceras de alguns animais. Conforma a cor, o cheio, as escorrências, as manchas, assim o devir daqueles sobre quem recai o objecto último da análise.
Creio que no que às aves diz respeito, apenas estava destinado ser objecto de estudo, o destino do voo, a beleza do planar, a aparência das asas quando abertas, a projecção do bico, a saliência do peito, a beleza do recolhimento das patas.
O Velho Tirésias, (uma espécie de Professor Bambo do canal Viver), o homem cego e sábio que os poderosos consultavam, (o Rei Creonte incluído), tinha pelas aves uma atracção tremenda. Não era, porventura, o voo que mais lhe interessava, mas o que as suas mãos quando voavam, elas sim, no céu dos seus corpos com nuvens de penas.
Se hoje tornássemos às vísceras das aladas criaturas, talvez que outros pessimismos se apoderassem de nós.

domingo, dezembro 18, 2005

luís miguel cintra

Com alguma surpresa, creio, – tanta, pelo menos, quanta a justeza da sua outorga, (que é toda), – a atribuição do Prémio Pessoa, divulgada esta sexta-feira, fez com que muitos holofotes da atenção dispersa do português mais ou menos suave, apontasse em direcção do cidadão Luís Miguel Cintra e, nele, iluminar, creio, não apenas a sua carreira (como tem vindo a ser mais ou menos habitual, se bem que, como diria a grande actriz Isabel de Castro recentemente desaparecida, ‘’em Portugal, e no teatro, carreira… só a das camionetas’’), mas toda uma arte que, por ser filigrana, vive, em regime de permanência, – discurso velho e chato, mais chato ainda por ser velho e permanente), momentos dramáticos na sua luta pela plena afirmação e existência, lado a lado com outra áreas do conhecimento, como a literatura, por exemplo, e até a ciência.
O laureado, ao ver-lhe atribuído um galardão desta importância, (o Prémio Pessoa é, talvez, o mais significativo e importante galardão atribuído a uma personalidade do universo lusófono), entendeu, humildemente, que o júri está igualmente a premiar uma estrutura e um projecto: o Teatro da Cornucópia. No seu entendimento, o teatro é uma arte colectiva e é, tantas vezes injusto, premiar uns em desfavor de outros, sem os quais não seria possível fazer-se o trabalho tal qual ele se faz.
Mas neste prémio, creio, o júri quis, igualmente, premiar uma classe, a dos profissionais do espectáculo que se revêem no trabalho que Luís Miguel Cintra produz. E quis, também, ao individualizar o prémio – como aliás, é prática corrente – agraciar O ACTOR. E é de um actor único que se trata. O cuidado no tratamento da língua, a inteligência como a defende, a inteligência que coloca no trabalho que executa; o total descomprometimento pela facilidade que coloca em cada gesto;
Mas quis premiar O RECITADOR e grande divulgador de poesia;
O ENCENADOR único e o autor de linguagem própria que o tornam objecto único, apesar das insistentes cópias que muita gente vai tentando:
O DIRECTOR do projecto do Teatro da Cornucópia, família do premiado, espaço único no panorama português (mas não único, importa, já agora, referi-lo) de programação e produção teatral:
E finalmente, e era aqui que queria chegar, o júri, talvez não pensando nisso, premiou O ACTOR QUE NÃO VAI À TV, o actor que não se dá a mostrar no pequeno televisor. E esta é uma faceta que ainda não vi referida e que, paradoxalmente, é, talvez, das mais importantes na sua vida artística/ética. Até porque «não vai», «porque não quer». Para essa ausência há, de certo, razões bastantes. Umas conhecidas, outras induzidas e outras, ainda, mal contadas. O que é facto indesmentível é que Cintra não é presença no pequeno ecrã. E tem estado ausente, não porque não tenha sido convidado, estou certo que tem, mas porque tem optado pela ausência, porque não se quer ligar com um mundo que, digo eu, não lhe dá as condições de trabalho que ele, porventura, entenderá como essenciais. O que significa, para mim, que não é, ainda, afinal, a TV que determina tudo. Talvez que Cintra seja apenas a excepção à regra estabelecida, mas enquanto houver uma luz, uma guia, a nossa orientação não está, de todo, perdida. Vivemos de pequenos sinais, perseguimo-los para nos afirmarmos perante nós próprios no plano ético, de nós para a nossa consciência, e são estes pequenos signos que, muitas vezes, nos garantem alimento.
Mas o prémio aplaude, também, O ORGANIZADOR dramatúrgico de uma importante colecção dramática, edição que tantas companhias e diferentes projectos teatrais têm seguido como material básico para as suas produções – sobretudo aqueles grupos que não têm dinheiro para encomendar as suas próprias traduções, por exemplo – e premeia igualmente, O TRADUTOR, individualmente ou em equipa.
Parabéns a Luís Miguel Cintra.
Este prémio, apesar de tudo o que podemos pensar acerca dos prémios, é o mais merecido de todos.

sábado, dezembro 03, 2005

anúncios malandros

Nunca tinha reparado.
Mas hoje EU VI A LUZ.
A página 35 do jornal Correio do Minho, edição de hoje, sábado, estava cheia de pequenos anúncios. Num quadradinho minúsculo (todos os anúncios eram minúsculos) mulheres de todas as idades (mais as novas que as outras) ofereciam prazeres imensos aos que ligassem determinado número de telefone com que, normalmente, terminavam os reclamos. Nuns ofereciam-se beijos brasileiros e outras coisas; noutros, carinhos de leste; algumas meninas afirmavam que eram XXL; outras, mais convencidas, garantiam prazer XXXL; em muitos, garantia-se vasta experiência, apesar das tenras idades anunciadas; uma, de vinte anos e pela primeira vez a viver sozinha, oferecia muito apetite; uma senhora de quarenta anos ou coisa assim, afirmando não ser nenhuma miss, afiançava que ainda dava um jeito; havia pelo menos uma menina de Braga a marcar presença; estavam declaradas morenas, pretas, peludas e não sei de que género mais; num dos anúncios, uma rapariga garantia, apesar de casada, a ausência do marido, algures;
Os anúncios eram muito interessantes. Todos.
Fiquei tão indeciso que não telefonei para nenhuma delas. Nem para dizer olá. Definitivamente, sou um mal educado.
A terminar esta nota, cito o texto que encimava a página de publicidade: «o CM reserva-se o direito de não publicar conteúdos de anúncios que violem a Lei em vigor».
Lei com letra maiúscula, esclareça-se.
Se calhar, devia era ligar para o CM.
Está lá?

NOTA: porque será que quando leio Correio do Minho em sigla (CM), leio sempre Câmara Municipal?

OUTRA NOTA: Na maior parte destes anúncios, para além de se garantir a máxima higiene, é prometido apartamento próprio. Para alguma coisa serve a massificação da construção em Braga.

a pide lava mais branco

Consegui, graças ao meu esforço hercúleo, intersectar uma carta de um PIDE renitente em observar a liberdade que reina no nosso país, e que continua a negar a existência do 25 de Abril. A carta, em jeito de relatório, era dirigida a um tal Silva Pais.
Dizia:

Exmo. Senhor Doutor Fernando Eduardo da Silva Pais,
Conforme ordem de V. Exa. datada de vinte e um de J… de … (ilegível), sou a informar V. Exa. que decorre de forma muito satisfatória, o trabalho de branqueamento dos actos mais radicais que realizámos em nome da pátria e dos seus mais altos valores. O tenente Carrajola, por exemplo, viu nos últimos dias, serem-lhe diluídas culpas na morte da perigosíssima Catarina Eufémia, essa agitadora da criadagem alentejana, que juntamente com mais catorze mulheres que não conhecem macho que as amanse, foi pedir aumento de salário ao patrão.
(Exmo. Senhor Director, peço desculpa pela linguagem, mas quando escrevo «a mulher que não conhece macho que a amanse» não estou a pensar na sua filha – nem no seu genro - que tanto desgosto lhe causou quando fugiu, esbaforida, para Cuba, tentar cumprir a paixão pelo conhecido barbudo de nome Che…).
O caso ainda não está suficientemente tratado, mas os nossos homens estão em campo e muita coisa ainda irá acontecer em nosso benefício. Para já, conseguimos que não se ligasse de forma directa a agitadora com os comunas, e conseguiu-se, também, fazer passar a ideia de que a perigosa agitadora não estava grávida (eu bem que lhe dizia, senhor director, que o melhor era que fossemos nós a tratar, directamente, da autópsia da mulher. Se tivéssemos feito tudo como eu entendia que devia ser, garanto-lhe que hoje a maldita teria morrido de mau olhado ou outra coisa qualquer).
Para que a nossa acção esteja cumprida cabalmente, ainda falta que se diga que quem, realmente, matou a mulher, foi o filho que ela trazia ao colo, e que era, desde logo, a pessoa melhor colocada para ter disparado sobre ela. Mas isto com paciência vai. Dê-nos tempo Senhor Director que, aliados, nós temos de sobra.
Sem mais, saudações patrióticas,
Pela Pátria,
(assinatura ilegível)

O documento aqui fica para quem o quiser analisar.

o teatro circo (ainda) outra vez

Passei à bocado diante do Teatro Circo.
Tenho saudades de lá entrar.
Estive lá muitos anos.
Quis entrar e fazer uma visita, mas não vi ninguém. As portas, pintadas de cinzento escuro, (antigamente eram verdes) estavam encerradas. As visitas devem ter feito ponto. Ou então já não há visitas. Aquilo também, pelo que sei, eram só despesas. Estava lá um senhor, fardado, de uma agência de seguranças, a guardar nada porque, pelo que sei, quase ninguém ia visitar o teatro. Ver obras para quê? Para o senhor era uma seca. E ele queixava-se, pois. E que o melhor era fechar aquilo muito bem fechadinho, dizia, que poucas pessoas que lá iam, com a chuva, deixavam aquilo tudo patinhado.
(…)
O Teatro Circo pode, definitivamente, esperar.

cavaco na tv

E depois ainda se queixam que o professor Cavaco Silva fala pouco…
O homem falou que se desunhou, durante não sei quantas páginas, aqui há uns anos.
Eu explico:
Esta noite, durante não sei quanto tempo, na TV pública, o candidato disse que o que tinha a dizer, já o dissera. Questionado sobre este e aquele assunto, respondeu – mais de uma vez… mais de duas… mais de três… - que já tinha respondido a isso, quando escreveu, e publicou, a sua autobiografia. Perguntou-lhe a menina jornalista (casada com o presidente da câmara municipal de Oeiras, e grande benfiquista, que ganhou as últimas eleições autárquicas ao filho do adversário do outro) que Soares disse que ele fizera assim e assado, quando um deles era uma coisa e o outro outra... E Cavaco respondia: Não querendo ser deselegante para com um ex-presidente da República, o que lhe posso dizer é que o homem está gá-gá (isto são coisas que eu interpreto, peço desculpa pelo pouco, ou nenhum, rigor). Isso já está explicado na minha autobiografia, continuou, e a minha prosa é a verdade absoluta. Se o que Soares disse é o contrário do que escrevi, então o homem é um mentiroso compulsivo. O que está escrito na minha autobiografia é o que é certo. Mais fiável que a Bíblia. Ainda não está esgotada. Compre eleitor, compre.
Em suma: Cavaco Silva é o candidato da autobiografia. O seu programa eleitoral é o rol das suas memórias. O homem já disse o que tinha para dizer durante os anos em que foi primeiro-ministro, e a propósito desses tempos, escreveu o que pensou que fez.
E pronto.
O resto é silêncio. (*)

(*) É com esta frase que morre Hamlet, (a peça e a personagem escritos por William Shakespeare), nos braços do seu amigo Horácio.

sexta-feira, dezembro 02, 2005

o teatro circo outra vez

Li, há bocado, no Correio do Minho, que num destes últimos dias, a ministra da cultura esteve de visita ao Teatro Circo.
Ou ao que já há de Teatro Circo.
E que, na ocasião, a senhora ministra, muito agradada com a qualidade das obras realizadas, garantiu ao senhor presidente da Câmara, dinheiro para a programação. Fantástico. Parece que é a promessa recorrente do ministério em casos similares. Guimarães e Palácio Vila Flor incluído. E se for assim, já não é mau de todo.
O senhor presidente, por seu turno, garantiu à ministra que as obras, embora atrasadas dois ou três meses (ai Jesus) em relação à data apontada como a da abertura, estavam a seguir muito bem, muito escrupulosamente, quase artesanalmente, dado o melindre das operações. Ou seja: antes das eleições autárquicas, o senhor presidente, no momento em que abria/inaugurava o hall do Teatro à curiosidade dos bracarenses, e as escadas que dão acesso ao salão nobre, e o próprio salão nobre ainda a cheirar a tinta (pudera, as senhoras contratadas para restaurar a talha dourada - é curioso que, muitas delas, eram alentejanas… e que as escolas onde se ensinam estas técnicas, são requentadas maioritariamente por mulheres… - ainda mal tinham dado tempo a que arrefecesse as paredes…) prometera que o espaço, na sua totalidade, estaria pronto para ser usufruído, em Fevereiro.
Antes, era em Novembro, a tempo, portanto, das eleições. Depois foi Dezembro, mas essa data era irrelevante. Fevereiro já só foi um mês apontado, uma data como outra qualquer.
Agora, perante a ministra e perante as garantias de financiamento de parte da programação por parte do Estado, o presidente apontou os meses de Maio ou Junho, como sendo os da abertura.
(E aqui importa pensar um pouco no que isto pode querer dizer: As obras ficam concluídas nessa altura? Os muitos equipamentos técnicos já estarão instalados nessa altura? O teatro abre as portas com programação anunciada e espectáculos em cena? Lembro que em Dezembro, ainda não está decidido qual o modelo de gestão do Teatro Circo: se fundação, se empresa municipal, se integrada numa empresa já existente, ou se sociedade anónima. Isto, a avaliar pela notícia do jornal.)
Ou seja: a ser assim, o Estado ajuda nas despesas de programação, mas só para metade do ano, de Junho em diante. Ora como eu não acredito que as definições de gestão estejam resolvidas nessa altura e, por isso, realizado um desenho qualquer de programação, o teatro equipado e etc, podemos pensar que o Teatro Circo se há-de adiar até que surja uma data redonda qualquer que valha a pena celebrar com pompa.
É terrível não se ter uma data para apontar com alguma segurança. Mas se assim é, porque é que insistem no seu engano e no nosso logro?

presidenciais

Não tenho nada a certeza que esta pré-campanha, e posterior campanha eleitoral, aconteça assim calmamente, todo o tempo que falta percorrer até ao momento de botar. Ná! As coisas estão demasiado moles, demasiado mornas. Estão muito mais moles que nós, os anjinhos pórtugas, conhecidos pelo seu andar anestesiado. Qual país de grandos costumes, qual quê. Nós somos é o país do lexotan.
Talvez que a anestesia seja mais evidente porque haja uma candidatura em estado claro de vantagem sobre todas as outras. Não sei. Isto – é claro – a acreditar nas sucessivas sondagens realizadas por empresas várias que vão medindo as intenções de voto dos portugueses anémicos, intoxicados.
Ora, essa vantagem, traz uma falsa calma às acções políticas, nomeadamente às candidaturas, que muita gente entende como o primeiro gesto democrático que há: candidatar-se.
(Lérias)
Claro que a democracia se pratica na actividade política, ou a partir da actividade política, sendo que essa actividade deveria fundar-se no tabuleiro das convicções, da ética do pensamento, da consciência social, partilhado com as outras correntes do pensamento igualmente democrático, ou seja, debatido, discutido, de modo a propiciar uma total partilha de informação que clarificasse as ideias plurais (a ideologia advirá daí, creio) e, a partir dessa consciencialização, da posterior clarificação das acções a implementar que corporizarão essa mesma ideologia, esse pensar prático da pátria e dos portugueses, no caso.Ora, acontece que o que neste momento se discute, é tudo (ou nada, depende do ponto de vista), menos o que deveria verdadeiramente discutir-se. Caramba: eu quero lá saber a idade do senhor a); eu quero lá saber as doenças do senhor b); eu quero lá saber se o senhor c) espuma da boca; eu quero lá saber se o senhor d) ressona ruidosamente de noite; eu quero lá saber se o senhor e) cheira mal dos pés; O que eu queria saber é o que é que os senhores candidatos pensam de Portugal e dos portugueses e o que é que estão dispostos a fazer, dentro das suas competências, para resolver os nossos (e os meus) problemas. Nós só queremos é ser um bocadinho mais felizes. E que os que são infelizes (e são tantos) e têm vidas miseráveis (e são ainda mais), experimentem como a vida pode ser mais interessante e melhor vivida.
O que eu queria, era que os candidatos a qualquer cargo na administração pública me dissessem, o que é que pensam fazer para nos ajudarem a viver um pouco melhor. Isso é que era boa ideia. Agora, aproveitar esta campanha para dizer que precisam do apoio das pessoas - das mulheres e dos velhos - para serem presidentes da república, ou porque os outros candidatos são perigosos, ou porque sabem mais que os outros; ou para fixar eleitorados, ou por razões patetas e perversas que não têm nada a ver com Portugal, mas sim com estratégias de poder, parece-me muito pouco.