quinta-feira, novembro 30, 2006

Vendidos

Estava eu a ler o El Pais –na net que é onde leio os jornais – quando dou com a notícia “ Galicia, en alerta por lluvia”. Por baixo um linkzinho “consulte el tiempo”. Como não estou na Galiza mas quase, lá dei o duplo clik no dito site.
Aparece então, não o mapa de Espanha, mas o mapa da península inteira com a respectiva informação meteorológica. Para quinta, sexta sábado e domingo..
Eis quando, inadvertidamente , deixo a setinha em cima de Lisboa e, para minha surpresa, aparece um dístico a informar –“mapa de españa”.
Mudo a setinha para o Porto e novamente o dístico “mapa de españa”. Baixo rapidamente para Coimbra,; outra vez “mapa de españa”.
Que este governo com a cegueira do défice ande a vender ao sector privado os direitos dos portugueses, na saúde, na educação, na segurança, lá sabíamos.
Que este país esteja a ser vendido aos poucos e nos diversos sectores aos espanhóis, já tínhamos ouvido dizer.
Agora que o Sócrates, na sua visita á Espanha e para resolver definitivamente o défice, tenha vendido isto tudo de uma só vez e sem nos dizer nada, não é de espantar, mas é demais.

terça-feira, novembro 28, 2006

suspiros ibéricos

«De Espanha, nem bom vento nem bom casamento», diz o povo, não sei se com razão ou sem ela.
Isto é o que dizemos. Imagino que os espanhóis tenham um ditado mais ou menos semelhante a este, só que com sentido contrário, isto é, relativo a nós.
O que é facto é que temos para com nuestros hermanos, uma relação mal resolvida, de centenas de anos e muitos conflitos. Imaginamos que somos o apetecido pedaço que lhes falta, construídos num punhado de terra que já lhes pertenceu, que à vista desarmada complementa a sua terra, herdeiros mais poderosos de uma ideia-pojecto de Ibéria. Somos o pedaço de praia que lhes foi sacado na comunicação com o atlântico, cunha anti-natura que os separa do mar há novecentos anos. Somos uma espécie de país que fala uma língua semelhante à deles, porventura construída paredes meias com a que eles falam, ou a que eles falavam no tempo de D. Dinis, que é quando a nossa foi fixada, grafada, agarrada ao papel com o cimento-cuspo da história.
Muitos de nós, desiludidos com a condição de sermos um pequeno país ancorado entre um mar que não sabemos utilizar e uma terra que se fez muito maior e mais próspera que a nossa, sonhamos com uma unificação política qualquer, que nos ofereça (devolva, na sua opinião) a qualidade de vida que ambicionamos, e que esta portugalidade nunca nos poderá ofertar.
De vez em quando, há uma centelha de esperança que perpassa de um discurso, de uma ideia. O iberísmo está presente em cada esquina do nosso desconforto, e muitas vezes chega de onde menos se espera.
Desta vez, diz a queixa entrada na Procuradoria-geral, vem pela voz de um ministro da república portuguesa, no caso das Obras Públicas, Mário Lino, que em Abril, em Santiago de Compostela, ousou afirma a Ibéria, não já como projecto político, mas como uma nova realidade. Ora, dizem os queixosos, entre os quais um tenente-coronel reformado da Força Aérea chamado João Brandão Ferreira, tal afirmação «ofende e põe em perigo a independência de Portugal».
A queixa, assinada por doze subscritores que, tal como o nome já citado, é constituída maioritariamente por oficiais reformados, pode levar o ministro a cumprir, sendo condenado em tribunal, uma pena de prisão entre os 10 e os 20 anos, por crime de traição à pátria, de acordo com o código penal.
Li isto num artigo do jornal Público dum destes domingos, e não pude deixar de sorrir. Para o bem e para o mal, o iberismo está aí, a prestações. Primeiro foi a banca (primeiro?), a seguir os transportes ferroviários (tê gê vê), e depois logo se verá. Por muito que isso custe a oficiais reformados, feridos na sua masculinidade lusitana, seja qual for a sua arma.

nota: D. Duarte Pio tomou a palavra e, na capa de um dos jornais sensacionalistas quepor cá se fazem, afirma que é preciso «combater o iberismo». Mais uma voz na cruzada contra o irmão mais inimigo que temos.

recordes

Há coisas apetitosas, verdadeiramente incontornáveis, nos nossos gostos mais íntimos de portugas típicos. Não resistimos a algumas coisas, por muito finca-pé cultural que façamos, essa é que é essa. Nós, os portugueses típicos, não resistimos ao que é bom.
(Mas o que é bom para um português very tipical, não é bom para um outro ser minimamente inteligente, sejamos francos.)
A um bom cozido á portuguesa, por exemplo. Aliás, no campo gastronómico, resistimos a muito pouca coisa. À medida que fosse, agora mesmo, desfilando uns quantos pratos mais ou menos típicos da gastronomia portuguesa, estou certo que provocaria alguns sorrisos deliciados em muitas das caras que agora apenas são, para mim, pares de ouvidos, e muitas salivações enganosas;
Não resistimos, igualmente, fora das coisas do estômago, a uma boa fila, ou bicha, num sítio qualquer, sobretudo se isso significar «coisas de borla» ou mesmo em saldo; não resistimos a uma boa tarde de domingo passada num hipermercado; não resistimos a uma tentativa de recorde, qualquer que ele seja, e, por via disso, a fazer parte do livro dos recordes, o guiness, e a imortalizarmos esse nosso arrojo.
Destas coisas todas, talvez que a mais apetitosa seja mesmo esta última. Talvez porque é uma das mais recentes e, por isso, das mais queridas.
E na verdade já fizemos quase tudo para integrar o livrinho. Creio que uma das primeiras tentativas que ousámos, foi cozinhar uma grande feijoada e comê-la na ponte Vasco da Gama acabadinha de construir (acho que ainda nem inaugurada tinha sido). Aqui, levámos muito longe a nossa capacidade de sonhar e realizámos dois dos nossos sonhos num só gesto, o que não está ao alcance de qualquer um: comer muito e integrar o livro por isso mesmo.
E continuámos a desafiar-nos.
Já fizemos a maior broa. A maior pizza. A maior estrutura de metal para assar castanhas. A maior árvore de natal. O maior túnel. O maior bolo-rei. A maior concentração de pais-natal. O maior duche colectivo de polícias fardados (este não deve contar, mas aqui fica registado). Concretamente, em Baga já tentámos fazer a maior francesinha do mundo, e com êxito. Consta que não sobrou nada.
E agora, a cereja no topo do bolo: batendo colossos como o Manchester United, o Real Madrid, Barcelona, Bayer de Munique, e outros de menor dimensão como o Futebol Clube do Porto e o Sporting Clube de Portugal, desde há uns dias a esta parte, o Sport Lisboa e Benfica, é o clube com mais associados no mundo. Cento e sessenta mil.
Nos tempos que correm, esta é uma notícia e peras.

autoractor de Mário Casariny

entre o amor que mata e o amor que se mata
descem rápido o pano do 4º acto
é o fim
contando que nos deixem representar ainda
o famoso episódio do encontro no bosque
imagem do nosso trânsito único magistério
tirado da nossa água e feito com ela
idos cada vez mais ao nível da Fénix
em carne e sangue vivos ao pé de nós descem rápido
o pano do 4º acto
na plateia vazia sentou-se a metralhadora
e esta? não era costume
personagem tão nobre entrar assim
quando a peça vai ainda no ensaio
e das intenções do autor por ora falam apenas
os olhos em forma de til do prédio em frente

Do que me conta à noite a cabeça do corvo dos séculos dos séculos
(teu pai o sol tua matriz a lua teu filho o mais capaz o mais esbelto o mais livre
etc.)
a morte morte mesmo entra pelo tecto
tum
recondução do corpo ao estado de corpo
comissura dos lábios e da caliça
os actores o autor a criançada e os outros
(se há alguns reis então é um sucesso)
procedem à reverência
a esta bem conhecida ou como tal celebrada comissária indutora das coisas \sublimes de cima e das coisas sublimes de baixo
a morte agradece soluça voa pelos camarotes estende alguns pelo caminho \contentíssima
e volta de novo a sentar-se

Assim era no tempo dos imperadores
e das primeiras repúblicas
aviões baratos e fortes, de fumaça anestesiante
ronronavam À entrada das cidades
para que não florescesse no canteiro errado
Melmoth o homem errante
testa de assassino
cara de labareda
perfil de suplício
boca de tempestade
à imagem e semelhança dos vinhos mais espumosos
e comprimidos
certos homens por sua forma e cheiro nunca admitidos ao espectáculo de gala \da nova comida
rebentavam de vida por asfixia
e culminado o total pelo voo razante de um que outro percebes perdido da base
aos domingos explodia a televisão
os aterrados cristos da hora do suplício
eram sempre os primeiros a desfilar
mas seguiam-se logo os primeiros do artefacto
os tac os pim pam pum os febre os injecção
e os anúncios
Sobre esta metafísica do braço picado
e remindo a mão pífia do artista atacado do célebre mal de piano
ainda hoje ondula a bela cabeleira de Beethoven
e algumas revoluções emergiram daqui o melhor do seu vernáculo
fora no entanto com a morte que vem pela mão da morte
o que se passa em cena nunca a morte o saberá

A cena representa
um rio à beira de um rio
do festim que houve restam muitos sinais
no tronco de carvalho que vai à deriva
os lagartos pintados filhos da aranha de gala
tiram as sobrancelhas uns aos outros
ainda não é noite mas também
logo se vê que ainda não é dia
o mágico conduz o músico ao bufete
no sítio da cascata de obrigação estás tu a cena representa
os portadores de imagens
o primeiro edifício é um cinema pobre
que dá para a grande praça do obelisco
aqui é tudo mistério
contam a tropa do califa hassein
à ordem de Rodolfo Valentino
os fumadores estrangulam docemente a rainha
em costume escarlate cigarros sobre cigarros
no sítio da cisterna de obrigação está tu a cena tu a cena representa
a viagem por mar
tu levantas o vento dos corredores e fechas-te no quarto toda a manhã contigo
tu procuras a língua original e tombas num abismo de translacção de corpos
chegou ao fundo a falua dos beijos
quem sair dela será rei do mar a cena representa
o desastre no moinho
minúsculas entidades postas de perfil para resistir mais tempo ao vento da \eternidade
escalam os tempos de vida do poeta
lá em baixo parece que passa a tropa
trata-se na verdade de assassinato
saem a passo filósofos ratazanas terrinas de acesso duplo viagens ao \conhecido
e extraordinariamente nos grandes dias felizes
sai a intentona subliminal da arte
na cela do vadio
implorando o milagre da ascensão do sol
doutor entregue às penas para sempre livre estás tu a cena representa
a oração da noite
que todas os dias começa no lado setentrional do quadrado da praça dita D. \Pedro IV
e todos dias acaba no lado norte do Jardim de Santos
à tua sombra avançam todos os meus gritos
de único muezin mil léguas em derredor
e ao pé de ti não há memória válida
ao pé de ti é a hora de partir sempre
não sem motivo choram na cadeia os velhos cristos de olhos purulentos
e a palavra de eterno deita sangue pela boca
e a noite faz à lua uma estrada limpa
és o tronco lançado pelos da mala-posta asa rodas da carruagem
ergues-te e andas sobre toda a cidade
e a operação de fumo
o não-mais-drama o corpo
que se especializa
esta aurora total a que chama lepra
mil vezes a despimos e vestimos de novo
nós a fazer e a desfazer o leito
onde abraçados emergimos dos mortos
em direcção ao dos pés para a cabeça
norte sul orion a ursa Revolução a cena \representa
(a cena final representa)
o cão em cima da árvore

em baixo corre o rio da pestilência

Bravo
sobem enfim o pano do 4º acto
não foi de todo inútil a objurgatória anterior
começa a fusilaria
tá-tá-tá
buum
trá-trá
BUUM

What a pround dreahorse pulling
(smoothoomingly) through
(stepp) this (ing) crazily seething of this
raving city screamingly street wonderful
flowers… *

Pois mas agora são os adereços que faltam
a cara de levar tiros o gato que tudo sabe
e tudo deita a perder
e onde estão os teus fatos os teus feitios inúmeros de dizer alto
que os homens e os bois são duas cosias distintas
porque se os homens suam e dejectam e PUXAM
os bois puxam para a frente e os homens puxam PARA CIMA
de onde o instinto aeronauta da espécie
que aliás não ofende o boi pois ágeis e pachorrentos
têm esposas célebres chamadas vacas
e uma quinta é sempre bonito de se ver do ar
Sim não há que negar que
a cena vai subindo de luz e de coragem
e como diz no telhado Jean-Arthur Rimbaud
já não se ouve nada o tacto desapareceu
ainda somos nós lívidos insurrectos
a mais doce e a mais áspera intimidade do homem?
ainda somos nós o tesouro violento
com todas as formas de nuvem e de barco secreto
apenas esperamos
ninguém pode dizer que não nos vê
sentados a conversar com o leão de Nemeia
eu procuro do lado dos quarteirões desertos
tu pareces a igreja de S. Domingos a arder

in PENA CAPITAL

sexta-feira, novembro 24, 2006

Há uns dias atrás, o presidente do governo regional da Madeira deu um show tremendo na televisão pública. Em entrevista transmitida em directo, o licenciado em direito pela escola de Coimbra, a mais clássica, a mais tradicional e, quiçá, a mais importante do país, deu um autêntico espectáculo em finanças e economia, esgrimindo uma folha – ou, várias folhas – cheias de tabelas que as suas próprias mãos terão laboriosamente desenhado, esforçadas em fazer riscos direitos, contas bem apresentadas, conclusões arregimentadas à força de canetas de feltro coloridas. Impressionante.
Tudo a propósito da lei de financiamento das regiões, que passam agora a realizadas a partir de equações ligeiramente diferentes, com partes que determinam somas novas. Feitas as contas, o senhor presidente concluiu que iria ficar sem não sei quantos milhões de euros durante não sei quantos anos e estava, verdadeiramente, possuído.
De repente, fez-me lembrar daquela anúncio a um queijo. Nos spot’s televisivos, sempre que se pergunta a qualquer um dos queijeiros presentes nos anúncios, coisas tão prosaicas, mas distantes deles e das suas realidades sócio-culturais, como, quem é o presidente do tribunal constitucional?, respondem coisas que têm a ver com o trabalho que fazem, coisa de queijo, distantes da realidade inquirida e incapazes, obviamente, de estar em sintonia com ela. Assim era o presidente do governo da madeira. Se lhe perguntassem sobre queijo, responderia com as suas contas laboriosamente engendradas, copiadas com letra de bom estudante para aquelas folhinhas: auxiliares de memória como os estudantes lhes chamam; cábulas como outros entendem chamar-lhes mais prosaicamente.
Alguns dos seus irmãos na insularidade, perante a mesma lei e feitas as mesmas contas (a escola será a mesma), logo vieram desfraldar a bandeira do separatismo.
Já não há pachorra p’ró bicho da madeira (com todo o respeito, que é uma palavra que junta o rés – coisa quase - ao peito).
O melhor, caros madeirenses, é um tratamento mais radical. Isto não vai lá com analgésicos, mesmo que na origem da palavra esteja o termo anal. O melhor mesmo, contra a promessa de uma nova FLAMA, o infalível anti-inflamatório, é o Quitoso. Tanto dá para piolhos como para o caruncho.

domingo, novembro 12, 2006

erecções

ERECÇÃO 1: Cicarelli

As fotografias não deixavam margem para dúvidas. Eu vi-as de relance, num programa de TV. Ainda fui à net à procura de imagens mais esclarecedoras, mas já fui tarde. Os vídeos tinham sido retirados, as imagens arredadas de todos os sites que, por momentos, frequentei. Mas parece ter sido um facto, absolutamente consumado: Daniela Cicareli e o seu namorado, um namorado actual à data dos acontecimentos, deram uma voltinha na praia que frequentavam – uma praia espanhola – e, por fim, propiciou-se o desenlace que procuraram efusivamente, ocultados pelas águas calmas e salgadas. As fotografias de um vídeo pouco amador, (paparazzi?), por isso profissional, provaram-no à saciedade. O mais curioso da história é que, mesmo sabendo de si mesmo ser uma personagem conhecida mundo fora, procurada nos sítios mais recônditos, Cicarelli deixou acender o rastilho da paixão, e nem o facto de estar numa praia super frequentada, com imensa gente do mundo das revistas cor-de-rosa a inibiu de parlamentar com a libido.

ERECÇÃO 2: O menir

O menir do Barrocal, com 15 toneladas de peso e 7 mil anos de vida, tornou a ser erguido, não já com a ajuda simples de não sei quantos braços (li nos jornais da altura que eram mais de 400), mas com ajuda de 2 rectroescavadoras, que parece ser, no que diz respeito à matéria, o viagra dos menires.
Foi neste pós verão que os alentejanos decidiram, creio que em boa hora, reerguer a enorme pedra que os tempos tinham vergado, restituindo-a à sua forma primitiva, e quiseram fazê-lo usando unicamente, como no antanho se fizera (pensa-se) a força braçal bastante. Assim a alevantaram os antigos, vá lá saber-se como, se agora, apesar de farta alimentação, os mesmos braços não o conseguiram.
Nas bermas da história, uma vasta população seguiu a par e pás a operação, dando palpites, fazendo apostas, gastando o tempo.
O menir do Barrocal ficou direito, mas o orgulho dos alentejanos, não.
Será que a carne de porco de antigamente dava mais força?

ERECÇÃO 3: Saddam Houssein

Notícia da semana que passou, Saddam Houssein foi condenado à morte por enforcamento. E este é um desiderato que diz respeito, apenas, ao primeiro dos muitos julgamentos a que o senhor, creio, terá de se sujeitar. Pelo menos, vejo-o sentado no banco dos réus, a não responder a um outro julgamento, fruto de uma outra acusação.
Ainda que seja assim, vários julgamentos para chegar ao mesmo desiderato, Saddam deverá ser enforcado – pelo menos a crer no que é pretensão publicamente assumida pelas forças políticas iraquianas – ainda este ano. E ocmo se sabe, falta mês e meio para 2007. Conhecerá, por força da morte anunciada, uma verticalidade que porventura nunca experimentou (e note-se que sou contra a pena de morte). Com a corda à volta do pescoço, e no estertor da morte, experimentará uma erecção (possibilidade altíssima) e mesmo um orgasmo. A última imagem do ditador poiderá ser essa. A América, depois de tanto gozo, dar-lhe-à esse último prazer.

sexta-feira, novembro 10, 2006

DEBATE DO ORÇAMENTO NA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA

quinta-feira, 10 de Novembro
visto na tv

(…)

Mostra-se aguerrido, o deputado do PCP Honório Novo. Tem ritmo, o discurso que profere. Talvez porque já só tem sete ou oito minutos disponíveis.

Acabou. A bancada bate palmas.

São onze menos cinco. Santana Lopes entra na sala de semblante fechado. Afaga o nariz enquanto olha e fala com o colega de bancada que o recebeu sem entusiasmo especial:
Conversa imaginada:
- Como é que está a correr?
- Como sempre.
- E o resultado? Um empate?
- Não. Estamos a perder por dois-zero. Dois auto-golos. Com as costas.

No púlpito, o deputado do PSD, grande como caraças, (chama-se Marques Guedes?), vai lendo, sem chama, as folhas de papel que vai passando, do monte da direita para a esquerda. A sua mão esquerda, sai das folhas amiúde, (de três em três segundos, talvez) para ir testemunhar, tiaguenta, a presença do microfone de um dos microfones em frente a ele e à sua mensagem elocutada. Isto enquanto a mão direita testemunha o grosso do discurso que falta percorrer, sentindo a força das folhas juntas, medindo-lhe o peso, levantando-as meio corpo e deixando-as cair, de alturas mínimas, contra a madeira da estante. E já lá vai, a mão esquerda, direita à base do microfone, – ok, ainda aqui está, estou está cheio de movimento, deve pensar, tenho de fazer um discurso cheio de vida, mexer a mão o mais possível, é tempo de a avançar rumo à base do microfone, aí está ele, já está tocado, ainda tem o calor que lá deixei do penúltimo toque –, e depois de ter experimentado a dureza do material, vai experimentar o botão do casaco (um dos três que berram de claridade no azul escuro do tecido) e logo depois, as folhas do lado oposto ao da mão que não lhes dá tréguas, não vão as danadinhas ter pernas e fugir dali.

Et voilà, grande desenho de realização televisiva: uma panorâmica lenta nas bancadas dos cidadãos que estão a assistir. Muita gente nova, pois, e um casal de namorados que não deve ter encontrado um sitio melhor, mais quentinho, para trocar algumas carícias. Carícias parlamentares, diga-se.

O senhor deputado altarrão, – Marques, como Mendes, mas Guedes por sinal – deve estar a fazer um bom desempenho, porque o líder – Marques sem Guedes, mas Mendes pois então – olha-o embevecido e aprovador.

De repente, todo o governo ri. Não percebi a piada.
Mariano Gago não ri e escreve no seu computador portátil (talvez o texto se resuma a um Ah Ah Ah Ah.

A bancada do PSD aplaude, não sei que dito. Não ouvi, não percebi.

Olha olha 1: Manuel Alegre e Maria de Belém também vieram, dizem as imagens da TV. Estão juntos e confidenciam. Manuel Alegre estica o braço e revela um relógio de pulso lindo. E escreve. Mas à mão, que ele não é um Mariano Gago qualquer (Ih Ih Ih Ih, imagino).

E pronto. O montinho das folhas da direita passou todo para o monte da esquerda, o que quer dizer que o senhor deputado do PSD acabou. Os seus companheiros batem palmas e o orador regressa ao seu lugar, ao lado do líder.

E João cravinho vai falar pelo PS. Ali vai ele, fermoso y bem seguro.
Primeira diferença: não apertou o casaco, logo os botões são coisa praticamente inexistente. Ou se o apertou, os botões estão muito abaixo do peito, e a abotoadura fica escondida pela estante. Pudera, deve ser bem mais baixo que o orador anterior.
A sua mão esquerda ora pousa na estante ora brande de acordo com o que é dito, enquanto a outra maneja as folhas do discurso, que – curioso – não deixa pousado na madeira. Conclusão: tem melhor visão o deputado do PSD, que consegue ver de longe o texto escrito, apesar de ser mais alto. Ou então o texto foi escrito numa letra mais miúda, para poupar papel, e Cravinho precisa de trazer para mais perto dos olhos o texto que escreveu.

A performance de Cravinho tem um problema: como o senhor deputado vai passando as folhas lidas para o fim do montinho, arrisca-se, se por ventura se entusiasmar, a não dar conta do fim do discurso e prosseguir, em circuito fechado, caminhando por terreno já vindimado. Deus nos livre…

Olha olha 2: há uns marmanjos – que não sei quem são – que estão a ler o Jornal de Notícias, em vez de prestar atenção ao que está a ser dito. Não há uma régua naquela escola? Devem ser deputados do norte, carago.

Incrível: a câmara da TV espreitou a primeira fila da bancada do PSD e, por duas vezes, com um intervalo de segundos, o líder e o senhor deputado que leu o discurso (os Marques, pois), realizaram, género natação sincronizada, gestos rigorosamente iguais: primeiro ajeitaram as melenas, com a mesma mão, no mesmo ângulo do braço; e depois, afagaram os narizes exactamente da mesma maneira. Irmãos siameses, apesar de serem uma espécie de dupla impossível.

Mais um pedaço de discurso de Cravinho.

A câmara da tv volta à bancada do PSD e Marques, sem Guedes mas com Mendes, já lá não está.
Deve ter ido ver as imagens televisivas e averiguar a nota artística. Ou então, foi pura e simplesmente verter águas.

Cravinho tropeça em mais umas quantas reflexões.

Marques, o Mendes, tornou ao lugar. Tem um ar muito mais aliviado. Se calhar foi mesmo mudar a água às azeitonas.

Palmas na assembleia. Pelo som não se nota que sejam aplausos socialistas.

E agora é a vez do governo. Fala António Costa.
E vai direito ao assunto. Mexe, não na base do microfone, mas sim no próprio. E com as duas mãos. E remexe. E agita-se. E fala de improviso. E torna a mexer. E acerta os dois microfones apontando-os mais para si. E, hélas!, tem o casaco abotoado. Um profissional é mesmo assim. Sem pudor, não pára de afinar os microfones.

Olha olha 3: há ali um senhor deputado que lê o Correio da Manhã.

E Costa acabou. Os microfones suspiram.

É o momento da votação.

Manuel Alegre vota a favor, mas avisa que apresentará declaração de voto. Finda a observação torna a sentar-se, entrelaça as pernas, e aguarda.

Orçamento aprovado.

Diz, mais tarde, Alegre, na declaração de voto que há-de apresentar, que apesar de votar a favor – a disciplina partidária a isso o obriga – está contra este orçamento, que prejudica, uma vez mais, os mesmos de sempre.

A democracia tem destas coisas.

terça-feira, novembro 07, 2006

a força do rio

Os últimos acontecimentos no Teatro Rivoli, no Porto, mesmo não sendo coisa nova no panorama internacional (e mesmo nacional), nem por isso era coisa previsível, e decorrem do aluimento dos caminhos possíveis dos agentes culturais, do defenestramento do espaço de discussão e participação cívica, e da escassez de soluções de sobrevivência de tantos desses agentes, que resultam do abandono do Estado daquilo que deveria ser uma das suas primordiais incumbências. Creio que esses direitos estão mesmo explícitos na Constituição que os diferentes poderes juraram observar e cumprir. Ao alhear-se, por exemplo, da administração dos equipamentos culturais que tutela ou que deveria tutelar, a autarquia do porto demite-se da sua obrigação e atira para trás das costas, responsabilidades que não pode, de forma nenhuma, alijar.
Sem espaço onde mostrar os espectáculos que vai produzindo, e sem expectativas na luta contra a massificação do gosto – que é a pior das ditaduras - aos agentes fabricadores deste artesanato, entre os quais me incluo, não resta outra alternativa senão, cheios de um orgulho reprimido, partir para acções mais dramáticas, menos bem compreendidas pela generalidade dos cidadãos, arredados como estão da informação correctamente articulada e, por isso treslidas, suas causas e razões.
Não querendo ficar por aqui, Rui Rio, determinou levar ainda mais diante a sua política cultural: decidiu acabar com a política de subsídios. A partir de agora, da autarquia do porto não se podem esperar apoios financeiros para o que quer que seja, desde que vagamente cheire a opinião e cultura. Nada que, na prática, já não acontecesse. Quantos grupos de teatro, por exemplo, foram apoiados financeiramente pela autarquia nestes últimos dois anos? E quantos não sentiram a forte tenaz ruirienta a atentar contra a sua sobrevivência e projecto?
É caso para perguntar:
Não será tempo do estado central acabar com o subsídio à câmara do Porto e passe a apoiar, ele próprio, e directamente, os cidadãos ou os grupos animados por eles, nas actividades ditas culturais que, contra a vontade autárquica, ainda vão acontecendo? Afinal de contas, para que é que serve uma autarquia, se ela se afasta dos cidadãos (que pelos menos alguns são) que deveria proteger, estimular e apoiar? Se não serve para isso, que se acabe com ela. O desperdício, na óptica da autarquia visada, começa aí.

quarta-feira, novembro 01, 2006

bi-bin

Uma destas noites alguém me disse, com graça, que o Bin Laden lhe parecia ser construído de cera, igual àqueles que figuram no Museu de Cera Madame Taussoud. Dotado de alguns movimentos, pois, desenhados muito lentamente, com a lentidão suave e a suavidade da cera, mesmo se executados em cenários inóspitos, tipo gruta, ou montanha, ou coisa do género. O boneco – passe a expressão – é suficientemente crível, capaz de nos fazer pensar que é real, seráfico pois, mas real, de possível existência.
E, pensando bem, não é de todo despiciente esta possibilidade. O homem, ou a sua imagem, já foi dado como morto uma data de vezes; Políticos poderosos disseram tê-lo podido abater, Clinton inclusive, tivessem eles tido coragem para dizer que sim a essa possibilidade quando ela se proporcionou; Outros, os chamados operacionais, juram tê-lo tido ao alcance das suas balas e, contudo, não ousaram o gesto final, vá lá saber-se porquê.
Os serviços secretos franceses, segundo confidenciaram alguns media há um mês atrás, estão convencidos que o homem, ou a sua imagem de cera, terá sucumbido ainda no mês de Agosto, (e já estamos em final de Outubro), a um ataque de tifo. Ou seja: o que os homens não conseguiram, eliminá-lo, descartam na natureza, na doença, essa responsabilidade, quiçá esperançados de que, sendo assim, Bin Laden, vencido por uma maleita qualquer, não fará com que se cumpra a vingança na ponta das espadas dos seus apaniguados. Sim, que mesmo para a nação mais importa do mundo – a América – o respeitinho é muito bonito. Podem chamar-lhe os nomes mais inomináveis. Terrorista, diabo, sei lá que mais, mas daí a matá-lo, vai uma diferença muito grande.
Um dia destes, verificaremos se o homem, ou um dos seus sósias, morreu mesmo, ou se apenas derreteu uma das suas cópias de cera. Isso fica para descobrir num futuro muito próximo, que a vaidade há-de fazê-lo aparecer se estiver mesmo vivo, ou a notícia do seu martírio há-se ser exemplo para os muitos atentados que se hão-se fazer ouvir, se por ventura tiver morrido.

NOTA: Lembram-se da estória dos sósias do senhor de Saddam Houssein? Que será feito deles? Terão alguma vez existido? Ou eram coisa inexistente, tal como as armas de destruição massiva, à sombra das quais se invadiu um país unilateralmente?