terça-feira, novembro 28, 2006

autoractor de Mário Casariny

entre o amor que mata e o amor que se mata
descem rápido o pano do 4º acto
é o fim
contando que nos deixem representar ainda
o famoso episódio do encontro no bosque
imagem do nosso trânsito único magistério
tirado da nossa água e feito com ela
idos cada vez mais ao nível da Fénix
em carne e sangue vivos ao pé de nós descem rápido
o pano do 4º acto
na plateia vazia sentou-se a metralhadora
e esta? não era costume
personagem tão nobre entrar assim
quando a peça vai ainda no ensaio
e das intenções do autor por ora falam apenas
os olhos em forma de til do prédio em frente

Do que me conta à noite a cabeça do corvo dos séculos dos séculos
(teu pai o sol tua matriz a lua teu filho o mais capaz o mais esbelto o mais livre
etc.)
a morte morte mesmo entra pelo tecto
tum
recondução do corpo ao estado de corpo
comissura dos lábios e da caliça
os actores o autor a criançada e os outros
(se há alguns reis então é um sucesso)
procedem à reverência
a esta bem conhecida ou como tal celebrada comissária indutora das coisas \sublimes de cima e das coisas sublimes de baixo
a morte agradece soluça voa pelos camarotes estende alguns pelo caminho \contentíssima
e volta de novo a sentar-se

Assim era no tempo dos imperadores
e das primeiras repúblicas
aviões baratos e fortes, de fumaça anestesiante
ronronavam À entrada das cidades
para que não florescesse no canteiro errado
Melmoth o homem errante
testa de assassino
cara de labareda
perfil de suplício
boca de tempestade
à imagem e semelhança dos vinhos mais espumosos
e comprimidos
certos homens por sua forma e cheiro nunca admitidos ao espectáculo de gala \da nova comida
rebentavam de vida por asfixia
e culminado o total pelo voo razante de um que outro percebes perdido da base
aos domingos explodia a televisão
os aterrados cristos da hora do suplício
eram sempre os primeiros a desfilar
mas seguiam-se logo os primeiros do artefacto
os tac os pim pam pum os febre os injecção
e os anúncios
Sobre esta metafísica do braço picado
e remindo a mão pífia do artista atacado do célebre mal de piano
ainda hoje ondula a bela cabeleira de Beethoven
e algumas revoluções emergiram daqui o melhor do seu vernáculo
fora no entanto com a morte que vem pela mão da morte
o que se passa em cena nunca a morte o saberá

A cena representa
um rio à beira de um rio
do festim que houve restam muitos sinais
no tronco de carvalho que vai à deriva
os lagartos pintados filhos da aranha de gala
tiram as sobrancelhas uns aos outros
ainda não é noite mas também
logo se vê que ainda não é dia
o mágico conduz o músico ao bufete
no sítio da cascata de obrigação estás tu a cena representa
os portadores de imagens
o primeiro edifício é um cinema pobre
que dá para a grande praça do obelisco
aqui é tudo mistério
contam a tropa do califa hassein
à ordem de Rodolfo Valentino
os fumadores estrangulam docemente a rainha
em costume escarlate cigarros sobre cigarros
no sítio da cisterna de obrigação está tu a cena tu a cena representa
a viagem por mar
tu levantas o vento dos corredores e fechas-te no quarto toda a manhã contigo
tu procuras a língua original e tombas num abismo de translacção de corpos
chegou ao fundo a falua dos beijos
quem sair dela será rei do mar a cena representa
o desastre no moinho
minúsculas entidades postas de perfil para resistir mais tempo ao vento da \eternidade
escalam os tempos de vida do poeta
lá em baixo parece que passa a tropa
trata-se na verdade de assassinato
saem a passo filósofos ratazanas terrinas de acesso duplo viagens ao \conhecido
e extraordinariamente nos grandes dias felizes
sai a intentona subliminal da arte
na cela do vadio
implorando o milagre da ascensão do sol
doutor entregue às penas para sempre livre estás tu a cena representa
a oração da noite
que todas os dias começa no lado setentrional do quadrado da praça dita D. \Pedro IV
e todos dias acaba no lado norte do Jardim de Santos
à tua sombra avançam todos os meus gritos
de único muezin mil léguas em derredor
e ao pé de ti não há memória válida
ao pé de ti é a hora de partir sempre
não sem motivo choram na cadeia os velhos cristos de olhos purulentos
e a palavra de eterno deita sangue pela boca
e a noite faz à lua uma estrada limpa
és o tronco lançado pelos da mala-posta asa rodas da carruagem
ergues-te e andas sobre toda a cidade
e a operação de fumo
o não-mais-drama o corpo
que se especializa
esta aurora total a que chama lepra
mil vezes a despimos e vestimos de novo
nós a fazer e a desfazer o leito
onde abraçados emergimos dos mortos
em direcção ao dos pés para a cabeça
norte sul orion a ursa Revolução a cena \representa
(a cena final representa)
o cão em cima da árvore

em baixo corre o rio da pestilência

Bravo
sobem enfim o pano do 4º acto
não foi de todo inútil a objurgatória anterior
começa a fusilaria
tá-tá-tá
buum
trá-trá
BUUM

What a pround dreahorse pulling
(smoothoomingly) through
(stepp) this (ing) crazily seething of this
raving city screamingly street wonderful
flowers… *

Pois mas agora são os adereços que faltam
a cara de levar tiros o gato que tudo sabe
e tudo deita a perder
e onde estão os teus fatos os teus feitios inúmeros de dizer alto
que os homens e os bois são duas cosias distintas
porque se os homens suam e dejectam e PUXAM
os bois puxam para a frente e os homens puxam PARA CIMA
de onde o instinto aeronauta da espécie
que aliás não ofende o boi pois ágeis e pachorrentos
têm esposas célebres chamadas vacas
e uma quinta é sempre bonito de se ver do ar
Sim não há que negar que
a cena vai subindo de luz e de coragem
e como diz no telhado Jean-Arthur Rimbaud
já não se ouve nada o tacto desapareceu
ainda somos nós lívidos insurrectos
a mais doce e a mais áspera intimidade do homem?
ainda somos nós o tesouro violento
com todas as formas de nuvem e de barco secreto
apenas esperamos
ninguém pode dizer que não nos vê
sentados a conversar com o leão de Nemeia
eu procuro do lado dos quarteirões desertos
tu pareces a igreja de S. Domingos a arder

in PENA CAPITAL