sexta-feira, outubro 20, 2006

uma carta não enviada convencionalmente

Exmo. Senhor Director-Geral de Viação
Não lhe escrevo esta carta, porque desconfio: primeiro, que nunca a receberia (os seus assessores dar-lhe-iam, por certo, o caminho do caixote do lixo. E porque sei que ainda não fazem a separação de lixos nessa DG, era desperdício duplo); segundo, porque se por ventura a tocasse com os olhos, pouca ou nenhuma importância lhe mereceria, cartas destas deve o senhor estar farto de receber…; e terceiro, porque iria ficar-me tremendamente mais cara a insubordinação. Assim sendo, penduro-a aqui e em outros lugares que entretanto me aprouverem.
Isto porque, condutor desprevenido, recebi esta segunda-feira, uma carta da Brigada de Trânsito a dar-me conta de uma infracção registada em meu nome, numa estrada recôndita de Barcelos. A coima é de não sei quantos euros, não interessa.
Mas, como a lei me concede a misericórdia de poder impugnar essa Autuação Rodoviária (e vou citar a notificação) ocorrida numa estrada nacional onde a velocidade máxima permitida por lei é de 50 quilómetros por hora, circulando eu à velocidade supersónica de 79 quilómetros, isto a fazer fé numa máquina que dizem ter sido aprovada na Direcção-Geral de Viação em 28 de Abril de 2003, ou seja, três anos antes do momento da autuação, o glorioso dia 25 de Abril de 2006, eu não o faço.
E assim sendo, ao abrigo da lei, não impugno civilmente esta autuação pelos motivos já aduzidos nas considerações anteriores:
1º. Estou obrigado, como qualquer condutor e proprietário de veículo automóvel, a proceder à inspecção anual do meu veículo. Não sei se o mesmo se passa com os materiais da Brigada de Trânsito, mormente essa máquina cuja identificação formal não consigo deslindar por força da caligrafia usada (o que não é crime, note-se, o agente tem letra de médico, está certo, se bem que pudesse, perante a alarvidade da autuação, receitar-me um medicamente qualquer, aspirinas, por exemplo). Como confiar numa máquina cujo desgaste de três anos não é averiguável, ou pelo menos não o é publicitadamente na notificação que me foi enviada?
2º. Esta dúvida é tanto mais válida quanto consabidamente sou um condutor zeloso das regras e cujo cadastro rodoviário fica agora manchado por uma a(c)utuação que, com o respeito que me merece a direcção-geral de Viação, foi efectuada (e esta é uma dedução, mais uma que faço, por me ser estranha a distância temporal a que ela me remete) de forma perversa, e que me nega o direito de, comprovadamente, confrontar a minha verdade vivênciada em concreto, com a verdade do agente que me autuou, o tal com letra de médido. Eu lembro-me lá do que fiz nesse dia… Eu nem me lembro do que jantei ontem…
3º. Porque, como V. Exa. não calculará porque não vai receber esta carta, passados três meses é-me impossível garantir com um grau de certeza total, quer a minha passagem na estrada a que a notificação alude, quer a velocidade exacta a que a viatura seguia, e em que condições se efectuava a marcha. Eu não sei o que é que fiz no dia 25 de Abril de 2006. Claro que a Brigada de Trânsito sabe. E principalmente nos dias 25 de Abril. É quando dá mais gozo. Vê-los autuar nesse dia deve ser um regalo. Só imagino, porque não vi. Pago uma coima por um espectáculo que me esconderam. É injusto. Deviam estar escondidos numa curva qualquer, quais caçadores furtivos.
4º. Sendo a velocidade máxima permitida na estrada a que alude a notificação, de 50 quilómetros por hora, não teria feito sentido que me fosse informada a infracção no momento em que ela ocorreu, uma vez que ela não se verificou, por exemplo, na auto-estrada, onde não é permitido parar?
5º. Não é este mais um caso estranho e duplamente perverso de caça à multa, sendo que a impugnação que é permitida por lei aos autuados, ocorre (no meu caso) seis meses depois da autuação (mas sei de casos cujo intervalo é ainda maior), não me deixando margem para convocar, em consciência, testemunhas que comigo viajassem e que pudessem atestar a minha inocência do terrível pecado de que sou acusado, com esta distância a separar-me do delito?

Grato pela atenção que não me prestou porque não enviei a carta que acaba de não ler, tome lá o montante da coima, meta-a onde bem sabe (ou o senhor ou o seu tesoureiro), e até um dia destes.

António Durães,
(cidadão automobilista autuado sem conhecimento num 25 de Abril, avisado por carta registada seis meses depois, mas com direito a contestação, que é uma coisa que lhe serve de um consolo que só visto!)