sábado, setembro 09, 2006

notas de viagem 9

AS AVENTURAS DE UM AGENTE IMPORTANTE CHAMADO ERNESTO

9. a imprensa


Bem, o Chefe que se está sempre a queixar da qualidade do jornalismo português e da imprensa nacional, nem calcula o lixo que se publica na Irlanda.
Creio que uma das coisas mais interessantes que encontrei publicado, foi o suplemento FARMING de um jornal qualquer, já nem me lembra de que jornal, onde os jornalistas especialistas em assuntos da agricultura, aconselhavam, entre outras coisas – mas esta com destaque – a apanhar o feno antes que chova. A sério. Que estava na hora de tirar pasto da terra, que ia chover brevemente (estávamos em Agosto e o calor, não sendo demasiado, era, ainda assim, uma constante) e muito da ferragem ir-se-ia perder se não se retirasse o feno dos campos. Talvez que fosse um pouco antes de tempo. Mas que mais valia não arriscar. E nisto se gastava uma edição desse tal suplemento.
E, essa, até era uma publicação jeitosa. Mas as outras… Ui! Muito papel se gasta com tinta, desnecessariamente, valha-me Deus.
E olhe, Chefe, que não são só os jornais que dão ao povo o lixo todo que o povo quer consumir. As rádios fazem exactamente o mesmo. Que assim e que assado... E blá blá blá, blá blá blá… Que fulana anda muito entusiasmada com não sei quê… E que beltrano comprou sabe-se lá o quê… Gastam horas em conversa vazia e passam muito pouca música. O programa de paleio, Chefe, é a regra. Deve ser para pagar menos directos de autor aos músicos. Isto pensei-o eu, juro. Passam manhãs inteiras, dias inteiros a conversar sobre as coisas mais incompreensíveis. E de vez em quando, pronto, lá terá que ser, lá vai uma cançoneta.
E há – essa é, quiçá, a mais interessante das práticas – programas inteiros (e rádios inteiras) onde só se fala gaélico. Mas da defesa da língua irlandesa já falei demoradamente.
E há, não me pergunte porquê porque não tive tempo de descobrir, espaços de divulgação da língua portuguesa. Da que tem açúcar. Não na rádio, que aí não ouvi. Mas em algumas montras de pequenas mercearias, eram anunciados ingredientes que figuram em qualquer mesa brasileira que se preze. Por exemplo: sábado há não sei o quê. Bacalhau seco, por exemplo. Ou feijão preto. Aliás, o português do Brasil está presente nas ruas, entre os que passeiam, mas também em muitos edifícios onde as bandeiras sinalizam a sua presença.
Gort talvez tenha sido o sítio onde mais encontrei gente vinda dessas latitudes. Cruzei-me com imensos (e imensas, algumas bem gordinhas, por sinal, todas produzidas) que falavam alto, e seguiam para várias festas (era de noite, onze ou meia-noite, já não me lembro). E nas montras de algumas casas comerciais encerradas, um cartaz (muitos cartazes…) no mínimo insólito: amanhã, não falte ao jogo de futebol feminino entre o Brasil e a Irlanda: E lá estava, escarrapachado, em inglês e português, a hora do desafio, o local e o dia estabelecido (domingo).
Deve ter sido um jogo e pêras. E a confraternização que se anunciava para depois da jogatana, também. Caipirinhas e afins…
Nunca cheguei a saber o resultado.
Tal como não cheguei a saber a razão de tanta emigração brasileira para a Irlanda. Mistérios.