sábado, agosto 26, 2006

notas de viagem 7

AS AVENTURAS DE UM AGENTE IMPORTANTE CHAMADO ERNESTO
6. Animais


Caro Chefe,
Como sempre acontece – pelo menos é o que acho – as terras que visitamos pela primeira vez dão-nos coisas que, muitas vezes, ou nunca tínhamos experimentado ver, ou então que correspondiam mais ou menos às coisas que íamos de antemão preparados para ver. Por exemplo: ao ir para a Irlanda com o fito de escrever este relatório, já sabia que ia encontrar ovelhas em barda. A agente Amélia, por exemplo, que em tempos lá foi a propósito de um caso qualquer, lembra-se?, já me tinha prevenido – com fotografias e tudo que tirou da net – da presença massiva desses animais lãzudos. Das ovelhas, por isso, já eu estava à espera. Até estranhei não as encontrar logo no aeroporto. O que eu não esperava, (que para isso ninguém me prevenira) era que, mais que ovelhas, a Irlanda fosse a terra de cavalos. Principalmente o sul. Tanto cavalo, c’um raio. Na estrada cruzei-me com imensos carros munidos de atrelados para transporte desses seres. Há, aliás, no sul do país, mais precisamente em Connemara, (nunca me hei-de esquecer deste nome por mais anos que viva), uma raça de cavalinhos de perna curta, (dos que, portanto, não vão longe), que dizem ser espanhóis. Bom, eles não dizem nada, coitados, que não têm atributos para isso, embora façam muitas coisas e sejam espécie protegida & tudo. Mas os nativos da ilha dizem-no abundantemente por eles. Os bichos terão chegado à Irlanda vindos de Espanha. Estariam, pensa-se, em trânsito para algures, mas um naufrágio inesperado (como todos os naufrágios, creio), tê-los-à feito aportar em Connemara (que raio de nome, palavra de honra!). Outras vozes dizem, à boca cheia, que os cavalos deram à costa nadando de Espanha para cá, fartos do país de origem… Mas eu nisso, confesso, já não acredito. Acho mais crível que tenham sido para lá levados pelos galeões espanhóis, e por lá ficado para fazer criação, tipo famílias numerosas.
Bom! (parecia, agora, o Marcelo Rebelo de Sousa… Chiça!). Tendo a razão do seu aportamento sido acidental ou não, o que é facto é que os cavalos são de origem espanhola. E sabe-se isso como? Ainda segundo os mesmos especialistas, constata-se a origem das cavalgaduras pelas patas achatadas e peludas, que sapateiam à andaluza sempre que alguém se aproxima e faz sonar um par de castanholas. Aqui está outra coisa em que eu não acredito.
Os cavalos, aliás, (os dessa raça precisa, pois, mas todos os outros também), são muito apreciados neste país, como se comprova pela quantidade de corridas anunciadas, o que torna essa modalidade um dos desportos mais populares por aqui. Ou as corridas não propiciassem o jogo, e o jogo não fosse, esse sim, desporto nacional número um.
Para além de cavalos, a Irlanda é, igualmente, o país das vacas. Tanta vaca pastando Irlanda fora, meu Deus... E corvos? Acho que nunca vi tantos corvos na minha vida, chefe. Para onde quer que olhasse, lá estavam eles à procura da sua sobrevivência, ora olhando cuidadosamente o horizonte, ora esgadanhando o chão, na estrada ou na berma dela, por onde quer que eu passasse. Numa ocasião, sentado num Parque, comendo uma sandes de coirato, (não era bem coirato, mas, pronto, dava ares), vi-me cercado por tantos, esfomeados, que esperavam que eu abandonasse o banco de jardim, para se banquetearem com as migalhas que eu deixara cair. O desespero dos bichos era tanto que um ou outro mais afoito (ou aflito, não sei), não se coibiu de se aproximar e, nas minhas barbas, roubar-me a migalhinha caída aos pés. Os outros, claro, vieram logo a seguir. Com pena da bicharada, abdiquei de alguns bagos de uva que estava já a comer e lancei-lhos, um a um. Os gajos, caramba, pareciam guarda-redes a voar para os esféricos, prendendo-os com o bico, e engolindo-os de uma vez só. Chamaram-lhes um figo, essa é que é essa... Intimamente, ceio que me terão erigido uma estátua naquele parque, tal o entusiasmo demonstrado. Suponho ter ouvido uma salva de palmas (ou salva de asas) quando lhes virei as costas para me ir embora.
Para além destes animais, e pertencendo a outro grupo, há ainda a considerar os cabeleireiros. Nunca tinha visto um aglomerado de cabeleireiros, como o que assisti na Irlanda. E não significa isso que as pessoas andem melhor apresentados. Nada disso. Na verdade, a bota não condiz com a perdigota. Não há risco ao lado ou risco ao meio que justifiquem tanta casa aberta a chamar clientes. Mas lá que há imensos salões de cabeleireiros em toda a parte, às vezes na mesma rua, quase porta com porta, lá isso há. Comparável, em número, com estas casas comerciais, só as casas de apostas e as casas de tatuagens. Mas sobre estes últimos já escrevi.
(…)Com a proliferação de ovelhas, acredito que tosquiadores fariam muito mais jeito, aqui.