sexta-feira, agosto 11, 2006

notas de viagem 5

AS AVENTURAS DE UM AGENTE IMPORTANTE CHAMADO ERNESTO
4. A GRANDE FOME

A oferta generosa de batata frita na ementa irlandesa deve-se, talvez, à fome que matou, no século dezanove (1845-1848), mais de um milhão de irlandeses. Uma praga letal instalou-se na cultura da batata fazendo diminuir drasticamente a produção deste alimento durante quatro anos. Isso e algumas jogadas da aristocracia inglesa proprietária da maior parte das terras, de modo a subjugar uma população sedenta de independência, que conseguiria alcançar em 1934. Com a fome instalada em toda a ilha – excepto nas casas dos abastados aristocratas ingleses – aos irlandeses restava, para além da morte sub-nutrida, a fuga para estrangeiro, sendo a América do Norte um dos destinos privilegiados. O incontornável mar foi a estrada escolhida. E eles partiram, primeiro nos barcos possíveis e, depois, a bordo, principalmente, dos grandes vapores. O Titanic, por exemplo, barco de enormíssima escala (curiosamente construído na protestante Belfast), como era costume entre os grandes navios da época que frequentavam aqueles itinerários, fez uma última escala em Cobh (uma das três ilhas do porto de Cork), e no seu bojo, em terceira classe, viajaram e morreram centenas deles, já em 1912, muito depois, portanto, da crise esfomeada que marcou a história irlandesa. Marcas dessa acostagem existem abundantemente nesse belo porto de Cobh, então chamado Queenstown, devido à visita da Rainha Vitória em 1849, e rebaptizado conforme o original, em mil novecentos de vinte e um.
Contas feitas, terão estado no grupo dos emigrantes fugidos à fome, nos anos quarenta, mais de milhão e meio de irlandeses.
Consequência deste êxodo que entretanto se prolongaria pelos anos adiante, já restabelecida a agricultura com o cultivo normal da batata, num senso de 1900, cinquenta anos depois da GRANDE FOME, como ficou conhecida, concluiu-se que uma população de oito milhões de pessoas tinha decaído para pouco mais de metade.
Ora, como diz o povo, - pelo menos o nosso -, para grandes males grandes remédios. Ou, mais exactamente aplicado a este caso, o dito não há fome que não dê em fartura, tem aqui um sentido ainda mais sagaz. A batata frita é, agora, uma espécie de vingança gastronómica.