sábado, agosto 26, 2006

outro intervalo na narrativa irlandesa

S. Bartolomeu dos mares – Esposende – vinte e quatro de Agosto

A praia está pejada de pessoas. Está – talvez seja melhor dizer assim – inundada de gente, qual mar qual carapuça, que o que ali há naquela praia, paredes meias com Esposende, é um mundo de gente que chega de todos os cantos do Minho, e “mais atrasado” (como gostam de dizer), de todos os “estrangeiros” para onde se degredaram, (exílio voluntário uma ova, que há muitas maneiras de fazer uma pessoa ir embora, zarpar daqui). Talvez sejam, até, em maior número, estes estrangeiros que chegam e que falam uma língua estranha, misto de português e de outras línguas, mestiçagens involuntárias, somas mal feitas. E ali, todos juntos, descomplexadamente, o ruído dá num linguarejar diferente, uma fala mais aberta, as vozes mais estridentes, o entoar mais folclórico, o som mais vogálico que aquele que estamos habituados a ouvir nas esquinas das cidades onde nos cruzamos com o resto do nosso mundo. Mas ali não, ali é diferente, é uma praia só deles, cheia deles, cheia de gente igual que, assim juntinha, formam uma espécie de mundo á parte, sem peias nem ameias, um mundo enfim liberto do espartilho da clandestinidade, da marginalização, um mundo construído só por gente marginal, iguais entre iguais, gente que, amando Portugal, também odeia a pátria, o país que os expulsou e que não os quer iguais aos que resistiram e que por cá ficaram, e que venceram vá lá saber-se que campeonato – talvez o da sobrevivência – mesmo que essa vontade de ficar apenas tenha sido covardia na hora da partida.
E agora ali estão eles, à espera do banho santo onde os homens do oleado amarelo hão-de mergulhar os seus filhos nas três ondas a seguir à sétima, que é aquela que conta, e os rebentos hão-de chorar em francês e em alemão, que nunca aprenderão a derramar lágrimas em português. Mas ali ninguém nota, afinal são apenas lágrimas salgadas aquelas que regam o oceano do medo pacificado, mas que valem bem a pena, que a língua que falarão, naquele misto de línguas, nunca há-de conhecer a gaguez.
E hão-de dar não sei quantas voltas à capela (creio que três por fora e três por dentro) com um galo preto nas mãos, galo que acabará o dia enjoado de tantas curvas e de tantas mãos, aguenta-te animal, que agora só para o ano tornarás a passear nas mãos de gente assim, isto se chegares até lá, se a tentação de um pica-no-chão não for maior. Quem traz galo leva o galo, e se calhar, abençoado; quem não traz, aluga, que a capela tem capoeira.
E hão-de ir na procissão, e hão-de dar a marradinha da ordem no altar do santo, e hão-de comer melancia, e hão-de ser felizes, Deus queira que sim, que isso é que é o mais importante.
São Bartolomeu dos Mares, rogai por nós.