segunda-feira, outubro 02, 2006

notas de viagem 13

AS AVENTURAS DE UM AGENTE IMPORTANTE CHAMADO ERNESTO

13. autógrafos

Caro Chefe,

Escrevo-lhe esta missiva porque estou um bocado sem saber o que fazer, palavra. Quer dizer… Eu sei exactamente o que não fazer, e que é pagar a multa que me enviaram da Irlanda, logo, sei o que fazer, que é não pagar. Não sei se me entende.

O que aconteceu é que fui surpreendido – até porque supunha que tudo tinha ficado resolvido lá – ao receber uma intimação da polícia irlandesa, para efectuar um pagamento de coima por distúrbios em propriedade pública. Ora, tente perceber Chefe, essa altercação deriva da minha estada em terras irlandesas ao serviço da nossa estrutura, devendo ser imputada a ela, portanto, tal pagamento.

Percebo que esteja confuso, mas eu conto a história em duas penadas.

Numa das minhas deslocações em serviço, na zona de Kinvara, fui a uma propriedade agora mais ou menos museológica (por acaso até estava fechada, só pude vê-la e fotografá-la do exterior – ver processo), que foram pertença de Yeats. Trata-se, como se pode ver na foto, de uma torre mais ou menos conhecida na iconografia local, chamada Thoor Ballylee, onde o conhecido escritor ia passar férias. Junto à torre há uma casa, mais uma propriedade com riacho com uma espécie de complexo de moinhos já destruídos, onde em tempos se deverá ter feito farinha (e não estou a fazer humor).

Num outro local, mas relativamente perto deste, ainda em Kinvara, fica o Coole Park, onde em tempos recentes existiu um enorme casarão, de que apenas existe memória chã, habitado por uma senhora, também ela escritora, mas sobretudo protectora das artes (foi benfeitora de inúmeros artistas e um dos principais mecenas do Abbey Theatre, por exemplo). Nessa casa, a senhora recebia os maiores escritores do seu temo, tivessem ou não recursos financeiros para alugar casa de férias nas redondezas, ou que ficassem dois ou três dias lá em casa a descansar e a conviver com a ela e respectiva família, em fecunda tertúlia literária.

Ora, na extensa propriedade da senhora, fica agora um parque frondoso que pode ser visitado, e frequentado, pela população. Uma zona do parque é particularmente procurada: uma árvore frondosíssima, imponente, rodeada de grades, que tem inscritos no seu tronco volumoso, talhados à faca, uma série de autógrafos de alguns dos escritores mais famosos da Irlanda. Entre eles Theodore Spicer Simson, George Bernard Shaw (de que envio pormenor da assinatura talhada da árvore), John Masefield, Sean O’ Casey, William Butler Yeats, etc., num total de cerca de trinta nomes literários. Não os contei detalhadamente (uso a palavra de propósito), porque a confusão naquela árvore é indescritível e eu tinha mais que fazer. Como pensei que era tradição inscrever qualquer coisa no corpo da faia, bem educado com o sou – o chefe sabe que escrevo sempre qualquer coisa em qualquer livro que se me apresente, num funeral, põe exemplo, mesmo que não conheça o defunto) saquei do meu canivete suíço, penetrei no círculo fechado das grades que envolve a árvore e a golpes difíceis, comecei o E do meu nome. Já ia no tracinho do meio quando os seguranças, civilizadamente, me levaram.

Dei as explicações que pretendiam, que pensava que era costume as pessoas escreverem qualquer coisa na arvore, e que assim e que assado… Os tipos identificaram-me, mandaram-me embora, e pensei que a coisa tinha ficado por ali,

Agora, qual não o meu espanto, recebo em casa uma coima monstruosa para pagar em quinze dias.

Chefe, não acha que não se pode fazer alguma coisa? Institucionalmente? Fica como despesas de representação…

Abraços deste seu fiel inspector

Ernesto