sábado, setembro 09, 2006

notas de viagem 11

AS AVENTURAS DE UM AGENTE IMPORTANTE CHAMADO ERNESTO

12. o teatro nacional

O cartaz anunciava uma comédia do histórico Oscar Wild, um dos irlandeses mais ilustres, «The Importance of beung Earnest», e estava em cena no Abbey Theatre, numa encenação de um tal Connal Morrison. De mais significativo nesta encenação, o facto de todas as personagens serem interpretadas por homens, mesmo as femininas, sendo que, no «jogo dramatúrgico», se convenciona que são os frequentadores de um bar, homens, quem interpreta os papeis de todas as mulheres que constam no cast natural da peça. Essa convenção, se bem que suportável, é insuficientemente sustentada. Mas essas são questões técnicas que o Chefe dificilmente entenderá, porque nunca fez teatro como eu, que integro o elenco do grupo amador da nossa polícia desde há cerca de sete anos. Tudo começou, Chefe, quando fiz – mais a sério – o papel de marinheiro, na peça ALFAMA de António Botto, era eu ainda um catraio, mas parece que foi ontem. Pedimos emprestados uns fardamentos antigos no Alfeite e foi um espectáculo. Talvez tenha começado aí a minha propensão para o mundo das fardas, é o que é, mesmo que agora não use nenhuma, a não ser a farda da discrição, que me permite andar igual a todos os outros, a observar-lhes os movimentos e inquietações e a descrevê-las em relatórios que parece que nunca mais acabam.
Mas voltando atrás, Chefe. Estava a dizer-lhe que o teatro é muito lindo. Com a prática de tais artes tenho aprendido muito. Nem o Chefe calcula o quanto. É uma coisa muito verdadeira, não é como a televisão ou o cinema. É que nestas artes que vivem da electricidade, se a dita cuja falha – ou porque uma cegonha kamikaze choque com os fios de alta tensão ou por outra razão qualquer – acaba-se o espectáculo, porque as figuras desaparecem numa sombra; enquanto que no teatro, não. Podemos, mesmo se a luz falhar, continuar a ouvir as vozes dos actores, sentir os seus percursos na cena, e se o espectador for corajoso e lançar a mão ao buraco escurecido do palco, pode encontrar carne em estado de representação. Ora essa diferença é muito importante.
Gosto muito de teatro, pronto. Era isto que eu estava a dizer antes de me desviar para outros pensamentos mais profundos,
Infelizmente, não vi toda a peça no Abbey Theatre. É que tive um dos meus ataques de tosse e tive que sair antes do intervalo. Quando acalmei a respiração já estava toda a gente cá fora. Talvez o jogo da troca de papéis tenha sido sustentado aí de uma maneira qualquer que, portanto, me escapou pelas razões atrás aduzidas.
(…)
E por falar em tosse:
Tenho andado com um catarro danado, Chefe. Talvez tenha de fazer uma pausa no trabalho e frequentar um sanatório qualquer que me ajude nas vias respiratórias ou lá no que é o meu mal. A coisa parece que fica pior quando, em situação de vigilância, me denuncio com os ruídos que a minha respiração congemina, cada vez mais volumosos e estridentes, sobretudo quando o silêncio impera, como acontece sempre que vigiamos, não é. Se calhar é por causa do muito fumo que inalei durante toda uma vida, que não sendo tão longa quanto a de alguns, foi muito bem fumada. Mas mesmo depois de ter parado, há um par de anos, ainda se manifestam e cada vez mais ruidosamente, essas práticas fumegantes.
O Andrade, que agora tornou à secretaria da polícia à conta daquela queda que deu quando perseguia um meliante qualquer, (aquela que lhe deu cabo da perna e que o deixou incapacitado para o trabalho de rua), disse-me, gozando com o meu mal, veja lá o Chefe a desfaçatez, que eu devia sair da nossa polícia e entrar para a CHIA, – que é, nas suas palavras gozonas, uma espécie de polícia gémea da outra –, porque eu estou sempre a chiar, diz ele troçando com o meu mal. Mas olhe que é bem verdade. Cada vez que inspiro ou expiro mais profundamente, parece que estou, de carro, a fazer uma curva mais apertada e a alta velocidade.
(…)
O Abbey Theatre também é giro porque é assim a modos que o Teatro Nacional Irlandês, onde se representam, principalmente, autores irlandeses. Está cheio de história aquele edifício pedaço de cidade.
Envio-lhe o bilhete e uma fotografia do cenário, que tirei com a máquina disfarçada no pivot esquerdo. Nem calcula o que passei para conseguir esta imagem. Creio que as pessoas terão achado estranho o facto de eu estar sempre a rir-me enquanto olhava o cenário vazio. Infelizmente, como não tinha muita luz (e o flash, que está no pivot da direita, estar sem pilhas), a fotografia ficou um pouco escura. Mesmo assim, envio-lha.

(…)

Pronto.
Termino este relatório.
Espero que seja útil às manobras que se entenda fazer na parte independente da ilha da Irlanda.