segunda-feira, outubro 22, 2007

A notícia não tem a actualidade nem a frescura de há uns dias, mas é um facto político relevante, talvez o mais importante dos últimos tempos, sobre o qual importa reflectir.
E a notícia é a seguinte:
(eis-me em plena reflexão)
Primeiro em eleições directas, e agora ratificado em Congresso, o PSD mudou de líder, de equipa dirigente e de slogan.
A Luís Marques Mendes, sucedeu Luís Filipe Menezes. Dois luíses, e contudo duas ideias diferentes de vida partidárias, duas desiguais práticas de serviço publico, impulsos divergentes de como se faz oposição.
Menezes, durante a campanha, acusou Mendes de fazer pouco contra a imagem do governo socialista, uma administração de muita parra e pouca uva, muita propaganda e pouco gesto consequente, disse. Contra Mendes, Menezes chega aureolado pelo trabalho efectuado na câmara de Gaia, rotulado de homem dinâmico, mesmo que algumas das obras realizados estejam empurradas pela sombra do seu arqui-inimigo, o presidente da Câmara do Porto, o tal rio oceânico que divide os social-democratas a norte, e as duas cidades que servem, Gaia de um lado e o Porto do outro, uma maldição marcada pela vizinhança que os olhos convocam todos os dias.
Até, talvez, dizem alguns, porque Rio mora na casa que Menezes teria gostado de habitar.
Com Menezes não muda apenas o estilo. Muda o modo de vida. Regressa Santana Lopes, que no seu blog tem vindo a carpir mágoas acerca do assédio excessivo que tem sofrido por parte dos media. De braço dado com Santana, regressa o fantasma de uma viagem ao passado. Restaurado o espaço perdido no partido, até que ponto Santana não se reinventa, na fotografia que dele tem o país?
Ou, afinal, a nossa triste realidade: é possível o mesmo raio cair (praticamente) no mesmo sítio duas vezes.
Que Santa Bárbara nos acuda.

terça-feira, outubro 16, 2007

histórias de camarim (4)

O grande actor português Augusto Rosa, filho de um outro grande actor (João Anastácio Rosa) e irmão de um actor (João Rosa), nas suas memórias, afirma que detestava digressões. Trabalhando normalmente em Lisboa, admitia ir em trabalho a Coimbra e ao Porto, com alegria e entusiasmo. Mas tudo o que fosse para além desses locais, já o caminho se fazia com sacrifício. Ou porque o alojamento na dita província ficasse aquém do mínimo do confortável, ou porque o público não era «educado», ou porque os teatro estavam degradados.
Em Guimarães, e passo a citar, «entrei à noite no palco do teatro e dirigi-me ao camarim que o contra-regra me indicou. Qual não foi o meu espanto quando vejo um compartimento muito caiadinho, com a porta guarnecida de sanefas de damasco vermelho agaloado a oiro, a mesa de caracterização com um frontal de altar e sua toalha de rendas, quatro castiçais de madeira doirada e algumas cadeiras e tamboretes de coiro. Fiquei sem saber se devia ajoelhar e fazer a oração, ou começar a pintar a cara! Tinha medo de profanar o recinto, decorado com tanto respeito e que me parecia uma capela.
Disseram-me depois, que a direcção incumbira o armador da igreja de enfeitar os camarins dos primeiros artistas, e o armador entendeu que a melhor, mais elegante e respeitosa maneira de o fazer era aquela.»

domingo, outubro 14, 2007

histórias de camarim (3)

Os camarins foram também, em tempos não muito distantes, sítio de confraternização dos actores com os seus fãs, na altura chamados «admiradores». Ou mesmo desconhecidos. Não sei como tinham acesso aos camarins, mas o que é certo é que tinham, e há imensas páginas escritas a propósito desse convívio. Muitas vezes, creio-o, um convívio inconveniente e, mesmo, não desejado. Os espectadores – alguns, naturalmente – vinham ao camarim antes do espectáculo começar, no intervalo (ou nos intervalos, se o espectáculo tivesse mais que um), e no fim. O actor ia sabendo como é que o espectáculo ia sendo recebido e isso podia ser mais ou menos interessante para a qualidade e intensidade da sua prestação. Mas claro que, ao camarim do actor, sobretudo do actor consagrado, vinham espectadores com quem simpatizava mais ou menos, de quem era amigo ou não e, amiúde, com quem intimamente antipatizava, e a quem considerava chato. Vasco Santana, contou-o um dia o filho Henrique e eu assisti (como muitos outros), tinha o hábito de, durante uma visita desapreciada, abrir várias vezes uma gaveta, ou várias gavetas, das que se desenhavam na sua mesa de caracterização, à medida que o tempo passava. Mistério! Que tinham aquelas gavetas assim de tão especial?
Contou o filho, Henrique, que Vasco Santana ao chegar ao camarim, precavendo-se contra as visitas aborrecidas, instituía – para seu gozo – um jogo secreto: abria uma gavetinha – a tal – da mesa, e para lá despejava uma série de impropérios, dos mais infantis aos mais sofisticados, que ia soltando, silenciosamente, ao longo das indesejadas visitas, enquanto a boca sorria e a cabeça acenava com ar simpático.

terça-feira, outubro 09, 2007

Uma mensagem actual

homenagem a CHE

domingo, outubro 07, 2007

histórias de camarim (2)

No Teatro Garcia de Resende contava-se, em 1983 creio, uma estória engraçadíssima a propósito de um actor que lá trabalhara, gentilíssimo, homem asseado, e que depois do espectáculo terminado, já arrefecidas as palmas do público, ficava, para desespero de quem tinha que fechar a casa, mais de uma hora encerrado no camarim, com velas e fumos, a «desencarnar». Que isto de levar a personagem para casa não era com ele.
A expressão é, ainda hoje, muito utilizada, quer por profissionais do espectáculo, quer por espectadores, mais ou menos informados. ''Desencarnar''. Ou ''encarnar'' a personagem. Torná-la carne. E percebe-se. Mas por ser demasiado mistificante, é motivo de chacota. CAíu em desuso e ainda bem. Porque levava a interpretações disformes e a confusões inesperadas.
Há outra expressão, também muito em voga, que é na consideração literária que dela fazemos, muito menos radical: «vestir ou despir a personagem». Para os mais cépticos, talvez seja a expressão mais acertada, porque mais despida de uma espécie de religiosidade fora do sítio. A personagem, enquanto coisa que emana do actor, que a constrói com base em si mesmo (ou em alguém que observa ou inventa), por mais distante que ela esteja de si, tem uma roupa, um penteado, às vezes uma voz preparada (como o piano, afinal).
E havia ainda aquele encenador que, à despedida do ensaio, e nas breves apreciações àcerca do ensaio do dia seguinte, se queria que os actores realizassem um ensaio com roupa, pedia para que «trouxessem as personagens». Não que, felizmente, encarnassem as personagens.
No princípio era o verbo. Ora, o verbo é o texto. Muito mais, eternamente mais que a carne.

terça-feira, outubro 02, 2007

Che, Cuba e a informação em Portugal

Vi e ouvi hoje na R.T.P.-1 a notícia sobre a
intervenção cirúrgica com que médicos cubanos
recuperaram a vista ao assassino de Che Guevara.
Até aqui tudo bem, dado que já o sabia desde sábado
passado.
O meu espanto surge quando a voz malévola do
funcionário de serviço nos informa sobre a revolta com
que tal acto tinha sido recebido em Cuba.
Sugeria-se assim que, caso os médicos conhecessem
previamente a identidade do sujeito, ou o não tinham
operado, ou, se calhar, até tinham aproveitado a
ocasião para o matar. De cubanos podemos esperar tudo.
De qualquer forma para aquele órgão público de
(des)informação o choque do povo e dos dirigentes
cubanos era a nota de realce.
Fonte da notícia, segundo o dito, a descrição do
sucesso no órgão oficial cubano.
Vejamos então como a notícia foi dada a quente e em
primeira mão pelo Gramna no sábado passado. Ei-la:
“ Che vuelve a ganar otro combate
HÉCTOR ARTURO
Lean bien este nombre: Mario Terán. Mañana nadie lo
recordará, como ya le ocurrió hace cuatro décadas,
cuando lo convirtieron en noticia. Pero ahora solo les
pido que al menos por un instante graben bien este
nombre en las memorias, para que nadie olvide y todos
juzguemos.
El hijo de este señor se presentó en el periódico "El
Deber", de Santa Cruz, en Bolivia, con el ruego de que
publicaran una nota de agradecimiento a los médicos
cubanos que habían devuelto la vista a su anciano
padre, tras intervenirlo quirúrgicamente de cataratas,
mediante la Operación Milagro, un verdadero milagro.
El padre de este boliviano agradecido es Mario Terán.
A los que tenemos más edad, puede que el nombre nos
suene a haberlo escuchado antes. Los jóvenes quizás
jamás hayan oído hablar de él.
Mario Terán fue el suboficial que asesinó al
Comandante Ernesto Che Guevara el 9 de octubre de
1967, en la escuelita de La Higuera.
Al recibir la orden de sus jefes, tuvo que acudir al
alcohol para llenarse de valor y poder cumplirla. Él
mismo narró después a la prensa que temblaba como una
hoja ante aquel hombre a quien en aquel momento vio
"grande, muy grande, enorme".
Che, herido y desarmado, sentado en el piso de tierra
de la humilde escuelita, lo observó vacilante y
temeroso, y tuvo todo el coraje que le faltaba a su
asesino para abrirse la raída camisa verdeolivo,
descubrirse el pecho y gritarle: "No tiembles más y
dispara aquí, que vas a matar a un hombre "
El suboficial Mario Terán, cumpliendo órdenes de los
generales René Barrientos y Alfredo Ovando, de la Casa
Blanca y de la CIA, disparó sin saber que las heridas
mortales abrían huecos junto a aquel corazón para que
continuara marcando la hora de los hornos.
Che ni siquiera cerró sus ojos después de muerto, para
seguir acusando a su asesino.
Mario Terán, ahora, no tuvo que pagar un solo centavo
por haber sido operado de cataratas por médicos
cubanos en un hospital donado por Cuba e inaugurado
por el presidente Evo Morales, en Santa Cruz.
Anciano ya, podrá volver a apreciar los colores del
cielo y de la selva, disfrutar la sonrisa de sus
nietos y presenciar partidos de fútbol. Pero
seguramente jamás será capaz de ver la diferencia
entre las ideas que lo llevaron a asesinar a un hombre
a sangre fría y las de este hombre, que ordenaba a los
médicos de su guerrilla que atendieran por igual a sus
compañeros de armas que a los soldados enemigos
heridos, como siempre lo hicieron en Bolivia, al igual
que antes lo había hecho en las montañas de la Sierra
Maestra, por órdenes estrictas del Comandante en Jefe
Fidel Castro.
Recuerden bien este nombre: Mario Terán, un hombre
educado en la idea de matar que vuelve a ver gracias a
los médicos seguidores de las ideas de su víctima.
A cuatro décadas de que Mario Terán intentara con su
crimen destruir un sueño y una idea, Che vuelve a
ganar otro combate. Y continúa en campaña.”
Onde é que está a revolta? Onde é que está a
indignação?
Se as ordens são para denegrir Cuba – os motivos do
Império e dos seus acólitos são evidentes – e se Cuba
tem tantos aspectos negativos, porque inventar outros
no exercício da sua obediência?
Será hábito? Será tique?
De certeza certa é que se pelos nossos livres órgãos
de comunicação social podem andar muitos jornalistas,
também e em muito maior número (pelo menos ao nível de
direcção) andam vigaristas profissionais com carteira
de jornalista.

histórias de camarim (1)

Não sei que actor português, detestava colar postiços.
As colas, muito desagradáveis, irritavam-lhe a pele. Sentia-se infeliz, com a obrigação de acrescentar bigodes, peras ou suíças, para melhor defenir e caracterizar as personagens que ia defendendo. Consta que este actor, (no tempo em que actor se escrevia antes do nome: actor Dias; actor Brazão; e as actrizes se chamavam senhora dona Lucinda, senhora dona Eduarda, etc), minutos antes de começar o espectáculo, cheio de estatuto, costumava chamar o assistente de camarim, e dizia-lhe: «oh rapaz, ora vai lá ver se hoje há público para bigodes»... Independentemente de ser esse, ou não, o postiço que usava naquela peça. «Bigodes» significava, pois, todo e qualquer postiço a que estava obrigado. Queria ele dizer que só colava a bigodaça, se a casa tivesse mais que determinado número de espectadores: o chamado número mínino indispensável para colar biogodes.
E quando o rapaz voltava com a contabilidade feita, ela sabia se escapava à tortura da cola ou não. Quanto menos público, menos sofrimento. Quanto mais espectadores, maior o sofrimento.
Ou como, às vzees, o mundo anda mesmo ao contrário.

segunda-feira, outubro 01, 2007

ofendidos e mal pagos

1. Santana Lopes protagonizou na SIC-notícias, o acontecimento da semana que passou.
Enquanto, qual vulcão dos capelinhos, eruptava acerca das eleições no PSD, – propondo, relembre-se, o adiamento das ditas cujas, por força da destemperança de algumas manifestações e dúvidas instaladas -, viu ser-lhe cortada a palavra, isto é, a imagem, para que a têvê fosse, em directo, para o aeroporto da portela, acho eu, onde estava a chegar, vindo de Inglaterra em jacto particular, para uns merecidos dias, semanas ou meses de dourado desemprego, o treinador de futebol português José Mourinho.

2. Durante o tempo que durou a reportagem em directo, não muito, Santana teve tempo para desenhar a estratégia, ensaiar mentalmente o papel de político ofendido, e interpretá-lo com convicção de amador. Com todo o respeito! Suspeito que, enquanto dizia que não, esteve o tempo todo à espera de ser convencido a responder que sim. Por fim, dizendo que ia com pena, agradeceu, perorado, à senhora jornalista o amável convite, e que assim e que assado.

3. Santana podia ter abandonado o estúdio enquanto as câmaras estavam apontadas ao homem de sobretudo. Mas não. Esperto como um alho, capitalizou a desfaçatez. Depois de num primeiro momento ter patinado um pouco, talvez indeciso da sensatez da sua decisão, despediu-se em beleza logo que a entrevista parecia que ia ser retomada.

4. Estrategicamente desenhado no tempo que durou a reportagem – José Mourinho dizia na TV coisas inteligentes e importantes do género, «agora vou descansar, talvez vá pescar no Sado no barquinho que um seu colaborador se propõe comprar, tudo muito casual, muito displicente, como se as televisões ão tivessem sido avisadas da sua chegada… por quem» por quem» – o plano de Santana correu bem. O bater polido de porta de Santana, teve efeitos devastadores. Com Santana Lopes, saímos todos do estúdio, indignados perante tamanha perfídia. Tal como Santana, também nós estávamos a ver a SIC-notícias e a assistir àquele comentário, com evidente prejuízo da nossa vida pessoal, com sacrifício pessoal, e aquela interrupção prefigurou uma afronta que não conseguimos engolir. Com Santana abandonámos o estúdio e com ele, a uma só voz, também pensámos – e dissemos – que o país estava doido. Tão doido que nem percebemos que aquele comentador, aquele homem ofendido, já fora o nosso primeiro-ministro e que, por isso, merecia mais respeito. Não se faz aquilo a um homem. Ainda por cima um homem tão sofrido, tão desrespeitado.

5. Santana tem razão. O país está doido e nunca uma verdade ressoou com tanta violência.
Só o facto de se saber que Santana já foi secretário de estado de cultura, presidente de câmara (duas vezes, e Lisboa está incluída no rol), presidente do PSD-PPD e primeiro-ministro, não nos permite pensar o contrário.
O país está doido e é bem feito.