domingo, outubro 14, 2007

histórias de camarim (3)

Os camarins foram também, em tempos não muito distantes, sítio de confraternização dos actores com os seus fãs, na altura chamados «admiradores». Ou mesmo desconhecidos. Não sei como tinham acesso aos camarins, mas o que é certo é que tinham, e há imensas páginas escritas a propósito desse convívio. Muitas vezes, creio-o, um convívio inconveniente e, mesmo, não desejado. Os espectadores – alguns, naturalmente – vinham ao camarim antes do espectáculo começar, no intervalo (ou nos intervalos, se o espectáculo tivesse mais que um), e no fim. O actor ia sabendo como é que o espectáculo ia sendo recebido e isso podia ser mais ou menos interessante para a qualidade e intensidade da sua prestação. Mas claro que, ao camarim do actor, sobretudo do actor consagrado, vinham espectadores com quem simpatizava mais ou menos, de quem era amigo ou não e, amiúde, com quem intimamente antipatizava, e a quem considerava chato. Vasco Santana, contou-o um dia o filho Henrique e eu assisti (como muitos outros), tinha o hábito de, durante uma visita desapreciada, abrir várias vezes uma gaveta, ou várias gavetas, das que se desenhavam na sua mesa de caracterização, à medida que o tempo passava. Mistério! Que tinham aquelas gavetas assim de tão especial?
Contou o filho, Henrique, que Vasco Santana ao chegar ao camarim, precavendo-se contra as visitas aborrecidas, instituía – para seu gozo – um jogo secreto: abria uma gavetinha – a tal – da mesa, e para lá despejava uma série de impropérios, dos mais infantis aos mais sofisticados, que ia soltando, silenciosamente, ao longo das indesejadas visitas, enquanto a boca sorria e a cabeça acenava com ar simpático.