quarta-feira, dezembro 24, 2008

o presépio americano

Na América, o Natal deste ano tem um novo sentido. Uma novidade oito anos depois. Neste lapso de tempo, a figura principal do presépio americano, foi o burro, mesmo que disfarçado de elefante. Ainda havemos de concluir, ai havemos havemos, que de elefante tinha muito pouco. Na realidade, era um elefante travesti, porque, lá no fundo, no fundo da sua inqualificável desqualificação, ele era um burro, e ponto final.
E agora, oito anos volvidos, chegado um autentico burro ao presépio (e mesmo assim, nunca fiando, que nisto de animais, há que manter a guarda sempre levantada) ei-lo travestido de Baltasar, o rei mago preto.
O eixo presépial americano muda, corrige o tiro, sai de dentro do estábulo para a rua, ganha contornos de monarquia.
Chato, mesmo, é o pivete a mirra que grassa na América. Esta erva amarga que Baltasar traz à «democracia» americana, lembra que somos todos uns Cristos e que nos esperam grandes sofrimentos, americanos ou não, com muitas estrelas ou mesmo nenhuma.

Bom Natal.

domingo, dezembro 14, 2008

bananas

Grande exemplo chega-nos da Madeira. Assembleias assim, é que são assembleias. Gente agredindo-se à vontade. Apelidando-se de malucos uns aos outros, sem peias nem vergonha. Ali está um exemplo de democracia popular. Eu diria mesmo: democracia popularucha. E claro, com o rei a mandar mais alto e a deter a última palavra.
Falta só um passo, um pequeno passo, para que a discussão se transforme em qualquer coisa filipina, (se a avaliação dos professores é chilena, porque é que a discussão democrática em Portugal não há-de ser filipina?), passando-se das palavras aos sopapos, do verbo às canelas.

atchim... santinhos

(ou)Vi, a este propósito, Almeida Santos, na TV. Que o melhor seria não se marcarem votações para as sextas-feiras, disse. Que os deputados ganham muito mal, afirmou. Que não podem abdicar das suas vidas, acrescentou, dando como exemplo o caso dos advogados, obrigados a optar entre o tribunal – a sua profissão – ou uma sessão na assembleia. Que devia ser atractivo ser-se deputado, para chamar para a política as melhores cabeças…
E eu pergunto-me: mas os deputados, são-nos compulsivamente? Foram obrigados a candidatar-se?
E, beliscando-me, questiono-me outra vez: ganham mal? Então, e os professores? E os operários? E os actores? E os padeiros? E os funcionários públicos? E os agricultores?
E o que é que significa a expressão «as melhores cabeças»? Pedro Santana Lopes? Morais Sarmento? Esse Qualquer Coisa Neto (peço desculpa mas não sei o nome do senhor deputado)? E etc?
Deputar de terça a quinta?
Não há paciência. Este domingo de manhã, havia uma raivazinha na minha revolta. Agora que já passou, ficou apenas o carácter da anedota.
O que se passa, é que Almeida Santos está por tudo. Pertence ao sistema, gozou das suas benesses toda a sua vida (pelo menos, a sua vida depois do 25 de Abril), e já pode dizer, sem qualquer tibieza, o que realmente pensa, tal como o que os demais pensam, sem que o possam dizer. É isso o que os distingue.
E eu pergunto-me, finalmente: foi para isto que se fez o 25 de Abril?

deputadices

Não é nada que, nós, já não soubéssemos. Toda a gente o sabe… Toda a gente o diz…. Mas o recente episódio da falta, em larga escala, dos deputados portugueses, a uma votação na assembleia da república, é apenas isso, mais um episódio, um mais no imenso rol do pequeno escândalo de que a Assembleia é fértil.
Num primeiro momento – e segundo… e terceiro… – os grupos parlamentares disseram desconhecer quais os deputados faltosos e quais as razões para tanto abstencionismo sem aviso. O que se estranha. Então não há um processo qualquer que permita saber, momento a momento, quem está em falta e quem não está? Não é assim que se passa em todos os sítios, públicos ou não?
No grupo parlamentar do PSD, havia, pelo menos, 30 ausências contabilizadas: aqueles que nem sequer puseram os pés, naquela sexta-feira, véspera de fim-de-semana prolongado, na assembleia e mais uns quantos (dez?), que foram para lá de manhãzinha, assinaram o ponto, e partiram contentes da vida, a gozar o primeiro (extraordinário) de quatro dias de férias. Mas havia-os, também, no grupo parlamentar do PS…
Entre os deputados, há, diz-se, algumas trutas. Tantas, que o melhor é que ninguém diga quem faltou, que ninguém dê com a língua nos dentes.
De entre as trutas faltosas, uma há que dá mais nas vistas, por muitas razões, e, certamente, por mais esta. Pode até ser que esta falta seja coisa nunca vista no seu curriculum parlamentar, uma nódoa solitária em tanto tecido alvíssimo… Mas é como se diz: no melhor pano cai a nódoa, seja ele seda, veludo, damasco ou qualquer outro. Estou a referir-me a Pedro Santana Lopes. Fui consultar o blogue do ilustre deputado e lá estava, preto no brando, a justificação para a faltita, e, no mesmo post, evidentemente, a sua plena assumpção: tinha estado, na véspera – ou seja, na quinta à noite – numa sessão evocativa da memória de Sá Carneiro. Ora, como a sessão foi no Porto… Um outro deputado social democrata, um Qualquer Coisa Neto, esteve igualmente no Porto, mas num jantar do Boavista, ou seja, justificou, a fazer trabalho político, e declarou que era desumano ter-se violentado e obrigado a zarpar para Lisboa, para a votaçãozinha matinal de sexta.
Mas o que é mais expressivo no post de Santana, é o azedume, o veneno, que manifestamente escorre das palavras do ex-secretário de estado da cultura, ex-presidente do Sporting, ex-presidente da câmara da figueira, ex-presidente da câmara de Lisboa; ex presidente do PSD; ex-primeiro-ministro, ex-presidente da bancada social democrata; ex-candidato em muitas ocasiões a liderança do PSD, e futuro candidato a presidente da câmara de Lisboa, perante a opinião de Marcelo Rebelo de Sousa a quem carinhosamente chama «o comentador». Se alguma vez estas duas personalidades estiveram de acordo, e estiveram, esse foi um tempo que já lá vai. Agora tê-mo-los firmemente inimigos figadais, que não escondem as divergências, antes as manifestam e as criam, mesmo que, por capricho do destino, as não tenham como coisa evidente.
Num país assim, muita coisa tem que mudar. E tem que mudar, começando pelos deputados, (grosso modo, pelos políticos), se efectivamente querem merecer a nossa confiança.
Mas eu creio que já há muito que deixaram de querer tal coisa. A nossa confiança é um capricho que eles dispensam muito bem. O que não dispensam é o lugarzito de deputado… É que assim, são gente importante lá na terra deles. Mesmo que ganhem «pouco».

quarta-feira, dezembro 10, 2008

os velhos

No passado domingo, à tarde, chegou a notícia da morte de António Alçada Baptista. Um intelectual que parte, um homem que tive oportunidade de entrevistar para a rádio universitária do Minho, e que na ocasião me impressionou pela tranquilidade com que falou comigo, e, sobretudo, pela apologia que fez da amizade, muito acima – na sua consideração falada - das honrarias que a vida pode oferecer a qualquer cidadão, acima das tantas mundaneidades com que, a troco de nada, nos desviamos dos valores essenciais.
Imagino que deverá ter partido rodeado dos tantos amigos e das tantas amizades que cultivava, dos tantos afectos.
E nesse acompanhamento, veio-me à memória uma notícia que li um dia destes, e de que tomei nota emocionada.
Quando a li, foi uma pancada no estômago, acreditem-me.
Há um mês, ou coisa assim, dizia a notícia meio escondida num jornal de que nem tão pouco recordo o título, que 55 corpos, corpos-cadáveres, esperavam no Instituto de Medicina Legal que alguém os fosse reconhecer e, depois de reconhecidos, reivindicados pelas respectivas famílias, ou amigos, para que pudessem ser realizadas as necessárias cerimónias fúnebres. O problema, dizia o jornal, é que não são conhecidos, a estes cadáveres, nem familiares, nem amigos, nem conhecidos. Só desconhecidos, que é o que somos todos nós perante eles. São corpos sem identificação, sem nome e sem apelido, sem retaguarda familiar a quem enviar aviso. São, ou eram, 55 corpos que aguardavam, silenciosamente, por sepultura.
Eram, sobretudo, toxicodependentes, ou velhos-velhos, sem-abrigo, moradores em caixotes de papelão ocasionais, que não sobrevivem ao frio que a época oferece, e baqueiam perante esta e as outras adversidades. E emigrantes, principalmente gente do leste europeu, mas africanos também, gente deslocada do seu círculo, que morre sem que ninguém conhecido se aperceba. São – eram – 55, os que esperam, ou esperavam. Com a paciência da morte. Com o tempo que a morte proporciona. Alguns, velhos, despejadas pelas famílias em lares da segurança social, desterrados na solidão de casas onde não são visitados. Os familiares não os reclamam e, tantas vezes, já nem se sabe quem são os familiares, se os têm ou se os não têm.
Todos os anos, cerca de 80 corpos não são resgatados. Uma média retirada da contabilidade do último decénio.
A Misericórdia tem-se encarregado, prioritariamente, de dar funeral aos que não são reivindicados por ninguém.
E esta segunda-feira, ouvi, estupefacto, que a taxa de suicídio entre os nossos velhos, está a aumentar de forma dramática. Que é já notada pela comunidade científica, como fenómeno que urge estudar.
Apenas dois sinais dos tempos confusos que vivemos.

quinta-feira, dezembro 04, 2008

o congresso vermelho

Aproveitando o feriado da restauração da independência, o partido comunista português realizou o seu congresso – o décimo oitavo da sua vida – e juntou mil e quinhentos delegados no Campo Pequeno, de Lisboa.
Até aqui, nada de especial. Nem a dimensão do congresso, nem a sala escolhida, são merecedoras de enfático ênfase. Todos os partidos com uma dimensão semelhante o fazem, com mais ou menos panache.
Durante três dias, o histórico PCP debateu uma série de documentos que vinham a ser preparados desde Fevereiro, quando – nas palavras do secretário-geral, reafirmado nesta reunião, Jerónimo de Sousa – o congresso começou verdadeiramente a ser preparado, em reuniões exploratórias, com a participação dos militantes, e muitos foram, que se juntaram à discussão e colaboraram com ela, emitindo opinião, estando a favor ou contra as conclusões que, dossier a dossier, iam sendo organizadas.
E aqui, a cantiga já começa a ser diferente da habitual. Por norma, e basta estar um pouco atento à vida partidária, é o secretariado geral (quando não mesmo o presidente ou secretário-geral) dos diferentes partidos, que escolhe aquele ou aqueles - mais o primeiro caso que o segundo - a escrever a estratégia e o plano de acção, assente numas quantas variáveis, da que há-de ser a moção oficial, aquela que dá continuidade ao trabalho, entretanto, efectuado. Com o PCP a coisa não se passa assim, seja esse assim melhor ou pior que o dos demais, não interessa agora. As conclusões, pelo que sei, são afirmadas pelo colectivo, mesmo que saibamos das muitas maneiras de vergar um grupo às vontades de quem quer que seja.
Outra coisa que os distingue, é a organização. Normalmente, que não no PCP, contrata-se uma empresa para empurrar a coisa. Essa empresa, em troca de um cachet gordo, faz tudo: marca a sala, aluga o material, o mobiliário, põe e dispõe, lança os foguetes, apanha as canas, é rei e senhora da festa. No PCP não. Os militantes fazem trabalho gratuito. Passe a redundância, fazem trabalho militante. Amparados pela máquina partidária, (uma coisa que existe em todos os partidos), pelos funcionários que são, eles também, militantes, o PCP organiza tudo, de tudo trata. Até de instalar os delegados que, de modo a poderem participar no momento mais alto da vida do partido, ficam alojados nas casas dos camaradas que vivem na zona onde decorre o congresso, como agora aconteceu, com tantos deles a ficarem em Setúbal e, claro Lisboa.
E no final, é a festa da militância como, uma vez mais, de viu. Depois dos discursos, dos hinos, desmonta-se a barraca. Não há espaço para entrevistas e comentários ao congresso, o que importa é aproveitar a força de mil e quinhentos delegados, três mil braços, e desmontar todo o circo, cadeira a cadeira, mesa a mesa, bandeira a bandeira, pano a pano, que o tempo não está para desperdícios, e este é material para outras organizações e para o próximo congresso. Quais formiguinhas trabalhadoras, os delegados, depois das emoções congressistas, abordam o trabalho manual, braçal, com a disponibilidade e alegria que se viu. Um outro espectáculo, uma outra lição de militância.
Pode-se estar contra muitas das ideias que o velho PCP debita, pode considerar-se fora de moda muito daquele pensamento, mas o que é um facto, é que, para além da força da Festa do Avante – só quem já lá esteve sabe do que estou a falar – o PCP é ainda o partido onde existe, resiste, uma ideia de militância e participação que já não se vê em mais lugar nenhum da sociedade portuguesa.
E é nestes pequenos gestos que ainda se vê, a força do PC.
Mesmo que em próximas eleições, esta militância não se veja traduzida em mais deputados, mais gente eleita para o parlamento europeu, mais vereadores, mais presidentes de câmara, mais presidentes de junta de freguesia.