quarta-feira, dezembro 10, 2008

os velhos

No passado domingo, à tarde, chegou a notícia da morte de António Alçada Baptista. Um intelectual que parte, um homem que tive oportunidade de entrevistar para a rádio universitária do Minho, e que na ocasião me impressionou pela tranquilidade com que falou comigo, e, sobretudo, pela apologia que fez da amizade, muito acima – na sua consideração falada - das honrarias que a vida pode oferecer a qualquer cidadão, acima das tantas mundaneidades com que, a troco de nada, nos desviamos dos valores essenciais.
Imagino que deverá ter partido rodeado dos tantos amigos e das tantas amizades que cultivava, dos tantos afectos.
E nesse acompanhamento, veio-me à memória uma notícia que li um dia destes, e de que tomei nota emocionada.
Quando a li, foi uma pancada no estômago, acreditem-me.
Há um mês, ou coisa assim, dizia a notícia meio escondida num jornal de que nem tão pouco recordo o título, que 55 corpos, corpos-cadáveres, esperavam no Instituto de Medicina Legal que alguém os fosse reconhecer e, depois de reconhecidos, reivindicados pelas respectivas famílias, ou amigos, para que pudessem ser realizadas as necessárias cerimónias fúnebres. O problema, dizia o jornal, é que não são conhecidos, a estes cadáveres, nem familiares, nem amigos, nem conhecidos. Só desconhecidos, que é o que somos todos nós perante eles. São corpos sem identificação, sem nome e sem apelido, sem retaguarda familiar a quem enviar aviso. São, ou eram, 55 corpos que aguardavam, silenciosamente, por sepultura.
Eram, sobretudo, toxicodependentes, ou velhos-velhos, sem-abrigo, moradores em caixotes de papelão ocasionais, que não sobrevivem ao frio que a época oferece, e baqueiam perante esta e as outras adversidades. E emigrantes, principalmente gente do leste europeu, mas africanos também, gente deslocada do seu círculo, que morre sem que ninguém conhecido se aperceba. São – eram – 55, os que esperam, ou esperavam. Com a paciência da morte. Com o tempo que a morte proporciona. Alguns, velhos, despejadas pelas famílias em lares da segurança social, desterrados na solidão de casas onde não são visitados. Os familiares não os reclamam e, tantas vezes, já nem se sabe quem são os familiares, se os têm ou se os não têm.
Todos os anos, cerca de 80 corpos não são resgatados. Uma média retirada da contabilidade do último decénio.
A Misericórdia tem-se encarregado, prioritariamente, de dar funeral aos que não são reivindicados por ninguém.
E esta segunda-feira, ouvi, estupefacto, que a taxa de suicídio entre os nossos velhos, está a aumentar de forma dramática. Que é já notada pela comunidade científica, como fenómeno que urge estudar.
Apenas dois sinais dos tempos confusos que vivemos.