quinta-feira, setembro 18, 2008

narcisícos

Não é minha intenção, mas este post, por razões que a seguir perceberão, quase roça a publicidade. Quase! Creio que evito o perigo de tal pecado, caminhando, ou encaminhando-o, para um território do chamado «cultural», ou não fosse a comidinha um dos adornos, se calhar mais que qualquer outro, desse domínio.
Eu já explico.
Acontece que um amigo meu me enviou um mail revoltado, dando-me nota do encerramento da NARCISA, um restaurante/tasca/casa de pasto ali perto do cemitério, por parte das forças da ASAE. Mal o recebi arranjei uma fotografia e postei-o aqui. Agora escrevo o texto.
Antes disso, porém, investiguei. Fui ver os jornais e lá estava, confirmadíssima, a notícia. Na história que os jornais contam, a notícia vinha acompanhada por uma espécie de acrescento onde se dizia que «o estabelecimento reabrirá brevemente». Para uns ainda este ano; para outros no inicio do próximo; para uns e outros, logo que estejam concluídas as obras a que os proprietários ficaram obrigados. Obras na cozinha e nas casas de banho, diz-se. Ora, para que a demora seja tanta, têm de ser obras de fundo. Não há casa de banho, ou banca de cozinha que obrigue a quatro meses, no mínimo, de obras.
Num dos jornais consultados, esta notícia emparelhava com uma outra que dava conta – curiosamente – do encerramento, pelas mesmas razões, do refeitório do Parlamento. Que reabrirá, dizia-se igualmente, logo que realizadas as indispensáveis obras de melhoramento. No caso parlamentar, as obras são circunscritas à cozinha.
A revolta do meu amigo a propósito do encerramento da Narcisa é perfeitamente justificável. Temos assistido a uma brutal – e muitas vezes cega, para já não dizer injusta – perseguição a instituições portuguesas que, por esta ou aquela razão, ultrapassaram o seu espaço natural, no caso gastronómico, e são já referência de outras aberturas, outras práticas e, por isso, outros conhecimentos.
Fui dar uma vista de olhos ás receitas publicadas chamadas «bacalhau à narcisa» que terá proveniência naquele espaço de restauração em funcionamento desde 1930, e com as devidas diferenças, algumas de monta, o bacalhau lá está, reconhecível, fazendo justiça à casa onde terá sido inventado. Mesmo se, às vezes, o chamem «À Braga», se o façam com combinações diferentes e até mesmo modo de preparação desigual. Originalmente «À Narcisa», assim é que é, encerrado pela ASAE para obras até 2009.
Não estou, formalmente, contra o funcionamento de uma organização que defenda os interesses dos consumidores. Já o escrevi aqui e reafirmo-o. Não percebo é que de uma forma cega, e tantas vezes ínvia, – não o escrevi à pouco mas escrevo-o agora –, deixando de fora um rabo suspeito que indicia interesses miúdos em acção, se desvirtue uma acção e uma prática que tinha muito para dar certo. Assim, o que sobra é esta sensação amarga na boca, de sermos testemunhas mudas de muita carga de ombro, rasteiras que nos fazem desconfiar de muita da prática que, reafirmo-o, tinha tudo para ser percebida e bem recebida pela população.
Resta-me esperar pela reabertura da Narcisa, e marcar mesa para uma bela e valente bacalhoada, debaixo da parreira, com um branco fresquinho a correr goela abaixo. Como me dizia esse meu amigo, há-de ser uma espécie de «bacalhau de protesto».
E que seja depressa, depressinha.