terça-feira, junho 03, 2008

futebolices

Ainda não se sente nas ruas portuguesas, a loucura do futebol; ainda não estão as janelas nacionais infestadas de bandeiras made in china; ainda não pára o país sempre que joga a selecção. E tudo isto porque o europeu ainda não começou. Deixem que alguém pontapeia a bolinha, feita muito provavelmente por crianças metidas em trabalhos baratos num sítio qualquer recôndito do planeta e logo verão. As bandeiras hão-de sair das lojas de trezentos chinesas e hão-de descolorar, com o tempo, nas janelas nacionais; o povo há-de sair à rua como na canção do zé cid (com a alegria que costumava ter) e não há-se ser apenas o comunidade emigrante na Suiça; o preço dos combustíveis há-de ser coisa não discutida, esquecida até, logo que os cristianos ronaldos da nossa anestesia colectiva desatem a correr na relva e a fazer fintas aos turcos e demais nacionalidades, mesmo que da Turquia nos chegue gente com sotaque sertanejo, a pedir arroz com feição e um churrasco todos os domingos.
(nós também os temos por cá)
Tem de ser, está visto, e se tem de ser, que o seja com estilo. Vai daí, pede-se à Fátima Lopes que desenho os fatinhos dos meninos. A coisa é talhada, composta e montada em Alcains, porreiro pá, mas o tecido é italiano.
Chiça, que podíamos ser um niquinho mais patriotas…
Mais ou menos isto deve ter pensado o presidente da república. E vai daí, toca a receber a comitiva no palácio presidencial, toca a servir um suminho de laranja para empurrar uns croquetes acabadinhos de fritar, tudo a bem da nação.
A questão é: porque carga de água é que o presidente da república há-de receber os jogadores no palácio de Belém? E se a resposta fôr, porque Sampaio também os recebeu, não deve ser considerada válida. Será que é porque os jogadores representam o entusiasmo de milhares de portugueses? De milhões de portugueses? Bem, é uma resposta possível. E assim sendo, Cavaco sente-se justificado, porque ao saudar aqueles bravos, estará a saudar os milhões que se reconhecem neles que, sem reservas, os apoiam, os empurram até sabe-se lá onde. Mas sendo assim, Cavaco terá de receber em Belém outros portugueses e não consta que o faça, ou que pense nisso sequer. Os soldados que vão para a Bósnia e outros sítios de conflito, por exemplo. Pronto, são só meia dúzia e não representam mais do que o que eles são efectivamente: meia dúzia. A não ser que vão para Timor. Aí, sendo igualmente meia dúzia, representam um pouco mais, representam-nos a todos nós, mesmo se Timor não está na moda e está, até, um pouco fora da agenda. Mas outro caso: os milhões de emigrantes que saíram do país e para cá, mês após mês, remetem euros e demais moedas, não mereceriam, no mínimo, um croquete no palácio presidencial, fresquinho, antes de embarcar no sud-express para a gare de Orly?
Há coisas que não se percebe. Ou percebe, mas o melhor mesmo era não perceber.