sábado, maio 10, 2008

o circo

Escrevi este texto, e gravei-o para a rádio, há cerca de um mês. Porque ainda está actual, (ainda que com uma ou outra alteração), atrevo-me a publicá-lo aqui. E faço-o por duas razões: porque a situação não se alterou; e porque depois de uma estadia - curta - no TC para a apresentação do último espectáculo de MALDOROR, quero, um dia destes, voltar ao tema. Ora, essa volta, só faz sentido com o texto primitivo.
Aqui fica:

Um ano e meio depois de ter sido reinaugurado com pompa e cerimónia, o Teatro Circo está pronto para fechar.
Antes disso, porém, estremece, definha orgulhosamente, tipo titanic, com os dourados a esmaecer. Continua a haver musica, sim, a banda não se cala um minuto sequer, mas isso faz parte da encenação. O velho ditado manda: the show mast go one. O barco já virou para um lado e para o outro mas os palhaços – a orquestra - amarraram-se à amurada e parece que se aguentam com estoicismo, segurando os instrumentos e fazendo alguma música improvável com eles. Os tripulantes, o mais profissionalmente que podem, lá vão aguentando as investidas das marés, sempre com um sorriso, pois claro, o que é que eles podem fazer?, e a chefia, para manter o barco a deriva, isto porque a casa das máquinas mete água por todos os lados – seja a casa das máquinas o que quer que seja – para manter o barco na tona desequilibrada que se lhe vai reconhecendo, vai deitando ao mar alguns mareantes que lhe parecem descartáveis e, assim, mais leve, acreditam que o barco promete mais um pouco de resistência estóica, até entrar pelo mar brumoso dentro, com orgulho e garbo.
O teatro circo, por muito agá que lhe enfiem pelas goelas do nome abaixo, é um barquinho que custou como se fosse um barcão. Mas nem porque os seus custos dispararam não sei quantas vezes – multiplicando, em muito, o preço inicialmente estabelecido – lhe dá um estatuto de coisa indispensável. Custou como um barcão, mas não passa de um barquinho. Quando os custos de manutenção começam a pesar excessivamente numa casa com a dinâmica que se pensava que o teatro fosse capaz assegurar, pouco ou nada se deve esperar do futuro desse estabelecimento.
Claro está que o problema do teatro circo não é único nem virgem no panorama cultural do país. Outras casas de cariz idêntico lutam contra os mesmíssimos fantasmas. Debatem-se, mas vão aguentando uma programação e uma dinâmica que não se vislumbra por aqui.
Eu nem sei de quem é a culpa, embora saiba – de consciência clara – que o problema está logo no início da coisa, nas obras, no andamento, nas opções, e etc. Mas disso não reza esta crónica.
Esta crónica tem por base uma série de despedimentos que, sei, chegou a um grupo de trabalhadores do teatro circo. Dizem-lhes que tenham paciência, mas que, quem manda, se enganou. Contrataram a pensar numa dinâmica, e a dinâmica não se confirmou. Que não se pode gastar na programação o que estavam a pensar gastar. Que vão reduzir drasticamente – a palavra é essa – o investimento na programação. Logo, não havendo programação, também não são necessários trabalhadores que a sustentem, que lhe dêem visibilidade, que recebam os espectadores que não vão chegar.
Os trabalhadores agora despedidos colectivamente, ressarcidos das obrigações salariais que a empresa tinha para com eles, saem, e deixam atrás de si um grande vazio. Não que o vazio sejam eles, agora despedidos. O vazio está em quem fica e no que, a carta é esclarecedora, diz que não consegue fazer.
Curiosamente, no mês passado, estive em Viseu, no Teatro Viriato. A sala está com problemas, técnicos diga-se, falta de investimento nessa área, mas a programação é de luxo. E equipa é fantástica. Até baby-sitter tem, para que os espectadores com filhos pequenos, possam desfrutar do espectáculo sem remorsos.
As cidades, como os teatros e as pessoas, não se medem aos palmos. Nem aos agás.