quinta-feira, abril 03, 2008

ti-mor

Há assuntos, ou temas, que volta e meia tornam a surgir, mesmo que sobre eles, ou sobre os seus recônditos ecos, tenham passado eternidades, hiatos às vezes incompreensíveis, mas que, numa volta qualquer da história, ressurgem, explodem, voltam a eclodir.
Destacado, entre o grupo destes acontecimentos cíclicos, está TIMOR.
E como se sabe, temos com esta antiga colónia – como antigamente se dizia – uma relação mal resolvida. Há pedras no sapato da nossa consciência que perduram, que ainda nos magoam, que nos fazem regressar a um estado de culpa, cuja dor nunca soubemos matar, apenas lográmos amaciar a sensação de desagrado, de desconforto. E por isso, estamos mais ou menos atentos a todas as novas que nos chegam, mesmo que o tempo espaçado na alguma desilusão, nos tenha levemente anestesiado. Infelizmente para nós e para a nossa atenção, por norma, as notícias que desatam o nó da nossa atenção sobre aquela gente, são quase sempre, se não mesmo sempre, desanimadoras, incompreensíveis. À distância destes oceanos todos, de tantos quilómetros, não dá para acreditar nos gestos de barbárie de que de lá nos chegam imagens, quando o dia alvorece aqui e a noite se agiganta lá, de tal modo estamos distantes.
Há uns dias atrás, [tantos], a notícia de uma tentativa aparentemente frustrada de um golpe de estado, ou melhor: de uma revolução, ou mais especificamente ainda: de uma decapitação dos órgãos aparentemente democráticos de Timor.
E o que eu estranho, confesso, é que, apesar da surpresa da notícia, ela já me não consegue efectivamente surpreender. Nada que chegue de Timor é verdadeiramente surpreendente. Nem a destruição massiva dos bens que escasseiam, como casas e afins; nem a morte indiscriminada de gente por meios selvagens, diria que não humanos, se é que algum meio há, dito humano, para extorquir a vida de alguém…
A tentativa de assassinato de Ramos Horta, outrora primeiro ministro e agora presidente da república, e o atentado simultâneo contra Xanana Gusmão, outrora presidente da república e agora primeiro-ministro, quase coincidiram com o centenário do regicídio acontecido no terreiro do Paço, em Lisboa. Bem sucedido o segundo, fracassado o primeiro, porque Ramos Horta embora colhido com gravidade, salvou-se, já deixou o hospital, afagado por uma garrafa de vinho de porto de meia dúzia e pasteis de Belém que o nosso presidente da república lhe enviou.
Um oceano com cem anos separa os dois acontecimentos. Mas pouco mais, que em Timor, o sistema democrático cheira um pouco a outra coisa. Não diria monarquia, que não mereceria o perdão dos meus amigos monárquicos, mas outra coisa que não sei classificar.
E essa outra coisa, talvez seja agora a razão para tão más notícias.E digo-o com a alma em sangue, de quem esperou outra coisa das pessoas que agora são o poder e, aparentemente, se eternizam nela, porque ora são uma coisa e logo a seguir, são outra. Democraticamente podem sê-lo. Podem! Mas civicamente, creio que é de bom-tom que não sofram essa tentação.