quinta-feira, janeiro 24, 2008

mm problema de expressão

A televisão é uma vitrina onde se exibe a emoção, a condição humana, não já na genuinidade do espontâneo, mas numa zona de um seu sucedâneo, onde a construção da emoção é realizada numa laboratório barato, despido de inteligentzia, banalizado e redundante. Quer dizer: as pessoas são apanhadas em situação de alguma desprevenção, vivem o momento com a emoção do momento, uma coisa aparentemente real, sentida, sem que se apercebam – ou sim – de que estão mais ou menos preparadas para a ocasião, por força da repetição da fórmula, tantas vezes exibida, tantas vezes papagaiada.
E, curiosamente, por falta de argumentos, de léxico, capacidade de argumentação, em inúmeros desses improvisados depoimentos, a expressão que mais se ouve é: «estou sem palavras». De uma forma mais ajuizada, mais ética ou consciente, também se ouve dizer: «não tenho palavras».
E a expressão até é, na sua génese muito interessante. Alguém, que é um falante de determinada língua, que domina a língua e o seu variado léxico, que cresceu com ela, que a usa no seu dia a dia para suprir as suas necessidades de comunicação, mas também de sobrevivência, de repente, como se tivesse sido abalroado por uma onda gigante, um tsunami emocional, fica desprevenido perante a dimensão da coisa a comentar e acha-se sem léxico para tamanho sentimento, para tão grande responsabilidade, para tanta emoção.
«Estou sem palavras…»
Ou de uma forma mais convencida, mais parva: «não há palavras»…
A expressão «estou sem palavras» foi usada, desta forma ou de uma qualquer mais elaborada, por grandes autores, acredito. Só que, com que com uma pequena diferença: antes de chegar à capitulação, o homem que a produziu, usou argumentos imensos e grandes, era um falante exímio da linguagem, e num momento, por fim, - e como é importante a expressão «por fim» aqui -, rendeu-se perante a coisa a comentar e, sobretudo, perante o seu próprio comentário. E em jeito de remate ou estocada final, qual matador de toiros com o bicho completamente subordinado à sua vontade, disparou tipo passe de peito, a muleta sobre o animal ensanguentado, «estou sem palavras», e saiu com o corpo desenhado, o queixo alto e as orelhas atentas aos aplausos.
Ora, o que assistimos momento-sim-momento-sim, é ao espectáculo da incapacidade lusa de tecer observações ao que quer que seja. E normalmente, cavalgamos a selvajaria, porque à expressão acrescenta-se sempre um ãnnnn, prrrrrrr, hummmmm, quando não mesmo um ya.
E as televisões, avisadas para esta incapacidade proeminente, procuram nestas expressões de analfabetismo galopante, o momento do seu espectáculo: o espectáculo da nossa incapacidade. Se o espectador ganha uma torradeira num concurso fatela, fica sem palavras; se lhe nasce um filho à meia-noite e um do dia um de janeiro, fica sem palavras; se o gato lhe come a língua, fica sem palavras. E neste caso, é bem feito. Mas como é que alguém há-de ficar sem palavras, se esses animais dóceis, nunca o foram, nunca existiram em semelhantes bocas?
Nunca uma expressão tão banal, porque tantas vezes repetida, valeu mais e foi retrato mais fiel, do que somos e da massa de que somos feitos.
Para expressar isso, o meu descrédito, faltam-me as palavras. Ãnnnnn, rrrrrrr, prontos!