terça-feira, janeiro 08, 2008

crónica com fumo

Antes de mais nada, quero deixar bem claro que esta crónica está a ser escrita ao mesmo tempo que fumo um cigarro. Um não, dois. Um em cada mão, que é para ser mais chocante. O teclado fica cheio da cinza que não controlo e cai entre as teclas, mas que se lixe, Depois aspiro.
O pior de tudo, é que tinha deixado de fumar vai para dez anos. Há dez anos que nem uma pontinha de fumo cíclico invadia os meus alvéolos pulmonares. Nada. Alcatrão, nicles. Nem uma manchinha. (Um cigarrinho cravado aqui ou ali não conta). Mas agora, com esta febre antitabagista, deu-me para recomeçar com o vício e eis-me praticamente perdido. Acho até que, mesmo que um dia o queira, quando cair em mim, não haverá penso milagroso que me salve, nem pastilhas que tragam à minha boca o mau sabor de um cigarro desesperado em sobreviver aceso. Acho que voltei a fumar para nunca mais. Um futuro abrasivo, pois.
E tudo começou quando passavam escassos minutos da meia-noite deste primeiro dia do ano. Acho que nem ainda havia notícia do primeiro bebé a nascer e já eu estava amancebado com um cigarro. Melhor dito, já eu estava amancigarrado. Beijo para cá, chupadela para lá, o vício já me tinha regressado à boca, eu voltava a ser, como nos velhos tempos, um Hunfred Bogart do vício, um Luke Luke a caminho de um sol pôr laranja, antes de lhe terem tirado o vício dos lábios e desmamado com uma politicamente correcta palhinha.
O novo ano trouxe-nos a novidade da proibição de fumar em praticamente todos os estabelecimentos públicos.
Uma realidade que vinga por essa Europa fora, mas que se supunha que chegasse mais mansa, mais pé-ante-pé à nossa realidade nacionalzinha, a de um povo que descobriu agora que vai ter de passar a escrever como nas telenovelas brasileiras, uma coisa indescodificável para a maioria das pessoas. (Nessa coisa de língua, já me decidi: optarei pelo mirandês, língua em que esta croniqueta passará a ser estendida)
Mas volte-se ao fumanço, que é disso que fala este linguado:
Por via das dúvidas e das dificuldades de interpretação, de tal modo é criptada a lei, desde o alvorecer do ano que o português suave não pode, descansadamente, entreter os dedos, nem socializar de cigarro nos beiços, como dantes fazia.
O Ti Jaquim, com quem me iniciei nos mata-ratos e que já morreu, felizmente para ele, se fosse vivo, ia deixar de nos mostrar, aos catraios, como era capaz de, num golpe de lábios contorcionistas, revirar o cigarro e escondê-lo dentro da boca, lançar mão a um copinho de três, verter de um golpe só o dito cujo na boca onde se escondia o cigarrito, fazer um ah de satisfação, e depois fazer reaparecer o cigarro miraculosamente seco e, magicamente, puxar duas baforadas espuporadas de prazer.
Que vai ser e nós?
Eu por mim, acendo mais dois.
Que se lixe o teclado.

5 Comments:

Anonymous jlteixeira said...

Seu post "crónica com fumo" foi indicado pelo blog EscutaZé! (www.escutaze.blog.uol.com.br)_

2:07 da manhã  
Blogger Blog do Morani said...

15/05/09

A crônica de blog do nosso irmão lusitano está fabulosamente "fabulosa" Mas, ah, desgraça de cinzas em meio aos teclados... Sem querer o amigo lusitano me abriu os olhos. Como outras pessoas usam o meu pc (netos, namorado da neta, amigos de último momento, o meu teclado, todo ele, está cheio de resíduos de bolachas, pães, farelos de amendoim e de chocolate. Pode? Não, não pode. Obrigado Zé por postar essa crônica "portuguesa com certeza" em seu blog.

12:20 da manhã  
Blogger Prof. JC said...

Acendi mais dois aqui. O teclado já está velho mesmo.

Grande Crõnica!

9:50 da manhã  
Anonymous Alexandre Amaral Rodrigues said...

Pois cá no país das telenovelas chegou também a lei que proíbe o fumo em toda parte - ou quase. Ou melhor, chegou a São Paulo, terra que se esmera em adotar padrões novaiorquinos. Mas é questão de tempo, há de chegar a todo o país. Temos de assistir uma telenovela em que a dramaturgia, que já tinha raros momentos de brilho, foi substituída pelo "marketing" "social", que serve para "endireitar" os costumes. Temos de escrever segundo uma ortografia que não há de ajudar ninguém em nada, e nos soa estranha (até a nós, brasileiros, que dirá de vocês). E depois não podemos nem fumar? Ai de nós.

11:18 da tarde  
Blogger Pereira said...

Eu que estou aqui, tendo vindo daí, já espeto meu pitaco: não fumo, mas se é pra ser proibido, fumo outros dois por mim e por ti... Abraços do Zépereira!

4:30 da manhã  

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