quarta-feira, novembro 28, 2007

por este rio acima

Há coisas que, inevitavelmente, nos arrebatam; que têm esse condão, magnífico, de nos colocar num sítio onde nos estranhamos, num espaço de equilíbrio transcendente que vai muito para além do corpo, uma espécie de regresso ao conforto do útero, (na convicção que temos, desse tempo, como sendo uma coisa sensorialmente extraordinária), e essas são as coisas que ansiamos se ainda não nos aconteceram, ou que nos comovem só de pensar nelas se, porventura, já as vivenciámos…
E outras há, mais materializáveis, que por esta ou por aquela razão, nos acompanharam numa parte das nossas vidas e que, muito por isso, são uma referência permanente para nós: um livro, uma imagem – fotográfica ou outra -, uma escultura, um momento especial de luz, um aroma, um filme, um espectáculo, uma canção. Coisas que nos transportam para um estado emocional especial, que nos fazem sorrir mesmo quando os tempos são agrestes e a vida se complica nesta ou naquela curva do caminho.
Há uns anos atrás, mais de vinte e cinco, o grupo de teatro A BARRACA, pela mão de Hélder Costa, de mãos dadas com Maria do Céu Guerra e outros cúmplices, (entre eles e só para nomear uns quantos, os bracarenses João Maria Pinto e Orlando Costa, para lá do músico Fausto), meteram mãos à obra e montaram alguns espectáculos de teatro de uma beleza e simplicidade ímpares, daqueles que perduram na minha memória.
O conhecido compositor Fausto Bordalo Dias, para o espectáculo UM DIA NA CAPITAL DO IMPÉRIO, compôs um conjunto de canções que haveria de constituir o esqueleto do disco POR ESTE RIO ACIMA, editado fez, na semana que passou, precisamente, vinte e cinco anos.
Uma efeméride maravilhosa para um disco e para um conjunto de canções que, alicerçadas na música tradicional portuguesa, num tempo em que o que contava era já outra coisa, extrapolava dela de uma forma brutal, vibrante, arrebatadora, marcante para tantos de nós que se reviam nessa possibilidade, e que se redimiram – um pouco – nesse ritmo e nas histórias narradas a partir de PEREGRINAÇÃO, do montemorense (o-velho) Fernão Mendes Pinto.
Vinte e cinco anos depois, Fausto volta a dar na rádio, porque há um novo disco, sim, mas porque há vinte e cinco anos atrás, POR ESTE RIO ACIMA foi, acima de tudo, POR ESTE ORGULHO ACIMA, uma transfusão de sangue, de optimismo e de bom gosto, na música portuguesa e, lato senso, na vida nacional.