quinta-feira, abril 03, 2008

olhem para esta crónica JÁ

As rádios, as diferentes rádios, têm vindo a apostar em programas onde se dá, com aparente generosidade, ou se cede, não sei como será mais correcto dizê-lo, a palavra, ou tempo de antena, aos ouvintes, para que eles discorram sobre este ou aquele determinado assunto, num momento importante das suas vidas.
E os ouvintes aproveitam a oportunidade e discorrem discorrem dicorrem. Primeiro telefonam a inscrever-se. Consta que não têm que pagar propina, apenas têm de ficar a aguardar o posterior contacto da estação. E depois falam.
E falam sobre tudo o que lhes vem ter ao prato. Às vezes falam sobre o assunto da véspera, por não terem emitido opinião à hora certa e, com o beneplácito do animador, lá fazem a ponte para o assunto do dia.
Há uns tempos atrás, a opinião dos ouvintes ganhou foros de anedota num programa chamado bancada central. Era moderado pelo jornalista Fernando Correia, guindado pelos ouvinte lambe-botas ao estatuto de deus, e dava praticamente todas as noites. Durante uma ou duas horas, ouvintes cirúrgicos opinavam sobre aspectos da vida dos clubes futeboleiros, avaliavam constatações, eram mais do que supunham ser e era essa a graça da coisa. Entretanto o encantamento terminou esgotada a fórmula que deu origem à fermentação dos mais variados egos.
Agora, na TSF e na Antena 1, há uns fóruns de opinião todas as manhãs e é interessante assistir aos desfilar dos ouvintes. Chegam das mais variadas maneiras. Há-os que perguntam, logo depois de terem sido chamados à antena – e é claro que se deve dar o devido desconto pelo facto de raras vezes terem tido oportunidade de estar na rádio, assim de viva voz… - se os estão a ouvir, e regra geral, como também eles se queiram ouvir, há que baixar o volume do rádio, expressão que já deverá ter entrado na galeria das mais ditas, a que se segue a resposta: «tá bem assim?». O seu desejo mais profundo é que os ouçam, e isso faz toda a diferença.
Outros há que preferem, apesar de saber qual é o tema e de se terem inscrito para debitar opinião sobre esse mesmo tema, pedir que lhes façam perguntas, querem ser entrevistados, merecer a honra do questionário: «estou a ouvi-lo… ora faça-me lá perguntas».

Por estes dias, o debate versou, invariavelmente, a violência nas escolas. Tudo à conta de um episódio triste que um aluno chunga gravou com o seu telemóvel, e que publicou na net, a armar-se em engraçadinho.
Um dos participantes, nervoso, disse que estava preocupado. Que os rapazes deverias ser separados das raparigas, tal como se passara com ele, nos idos anos cinquenta e opinava que se deveria falar com os professores das escolas particulares deste país, onde, diz-se, o problema não existe. E rematava dizendo que os alunos das escolas públicas são tão portugueses como os das escolas privadas, que são feitos da mesma massa, emergem do mesmo povo, logo a receita aplicada com êxito num sítio, deveria servir para todos os outros, pelo menos no que à disciplina diz respeito.
O problema, dir-lhe-ia eu, tão longe dele e do meio de comunicação que usou, é que os alunos, por muito que se desiluda, não são os mesmos. São muito diferentes até. E os pais deles também não, por muito que – agora - me custe a mim admiti-lo. E esse é o primeiro problema que importa escalpelizar. A partir do momento em que se criam portugueses de primeira e de segunda, não admira que a clivagem se acentue, que as diferenças marquem terreno, que o Portugal social de que se falava aqui há uns trinta anos, seja cada vez mais uma miragem sem caminho de recuo. O Portugal com dois andamentos, do tinto e do champagne, está claramente marcado na saúde, no acesso ao emprego, e na educação.
E é quando estamos a entrar no mês de abril, que o março se sente a cada dia que passa.