quarta-feira, janeiro 28, 2009

juradelas

Para a coisa funcionar bem, mesmo bem, sem falhas, nada como jurar duas vezes. Jurar apenas uma vez, pode parecer coisa pouca, gesto simples para despachar um qualquer compromisso, cinco minutos de sofrimento, oh meu deus, mas, passado, pronto, já está, não se pensa mais nisso… Até no casamento, quanto mais se jurar, melhor. Jura-se na igreja, de branco e perante o padre (ou outro oficial religioso), jura-se no registo civil (perante a república e as leis que a orientam) e, mesmo assim, é o que é, o que se sabe, ou é o que se vê… divórcios em barda… Na saúde e na doença? Isso é pergunta que se faça?... Na saúde ainda vá que não vá, agora na doença? E depois, como se esta já não fosse uma questão substantiva, ainda se metem as questões outras, como a paixão – esse alimento – que se acaba, os interesses de um – ou dos dois -que se alteram, e eu sei lá que mais, que sou solteiro e pouco conhecedor dessas questões.
Nos tempos que correm, já não chega jurar pela honra; nem, sendo um pouco mais dramático, acrescentar a tradicional expressão «eu seja ceguinho» ao juramento; ou, mesmo, invocar o bem estar das pessoas que, em tese, são as mais queridas ao jurador, tal como, o «juro pela saúde das minhas filhas», até porque nesta coisa de paternidade, pode dar-se o caso de que, o que parece um dado adquirido, não o ser; ou jurar pela vida da mãezinha, aqui com mais propósito, afinal e contas, mãe há só uma, e são raros os casos de alguém que não conhece, ou não sabe, quem é a progenitora…
Mas mesmo com estes upgrades todos, jurar, já não é o que era, é o que é.
Os americanos também acham isso. E têm razões de monta para o pensarem. Basta pôr os olhos na história recente da economia e da política locais. E, mais importante, parece que estão vacinados, falando agora em termos presidencialistas. Depois de oito anos desastrosos de política burlesca, decidiram, creio que bem, obrigar o novo presidente a jurar duas vezes sobre a Bíblia (logo aqui se percebe o país que é… o juramento presidencial assemelha-se em grande medida a um casamento, com casa, mesa, e roupa lavada…), na dúvida sobre se o primeiro juramente, ainda por cima com um engano de permeio, poderia não ser suficiente. Acontece, como se sabe, que o oficial de justiça que pontava o juramento obamesco, se enganou, e fez o presidente usar uma fórmula não correcta. O presidente achou estranho a nova formulação, balbuciou a frase errada, mas a coisa prosseguiu. Nos bastidores, dando-se conta da asneira, achou-se por bem que, não fosse o mandato ficar ferido de legitimidade, se repetisse o juramento. E assim, Obama jurou duas vezes, um juramento público com um erro de texto, e um juramento privado, com honra de fotografia, captada pelo fotógrafo oficial da casa branca, um luso-descendente dos açores, presença a partir de agora assídua naquela alegre casinha, a dividir honras lusas com o cão de água português com que as filhas brincam, se é que brincam e se é que o cão escolhido foi mesmo esse.
Acredito que, mesmo assim, ainda possamos assistir a um terceiro juramento, até porque o Bush também jurou duas vezes, e nem isso obstou para as trapalhadas todas em que meteu a América. Está certo que depois da segunda juradela, as asneiras ficaram mais esbatidas, foram coisa menos nítida, mas nem por isso deixaram e ser asneira, até porque incidiam teimosamente sobre as asneiras que apenas uma jura proporcionou.
Com os problemas com que se debate, Obama precisa de jurar, pelo menos, mais uma vez.
O coração dos americanos agradece, e as televisões também.

quarta-feira, janeiro 21, 2009

o cardeal e os muçulmanos

E na semana que passou, ficámos a saber que as raparigas, independentemente do seu credo religioso ou do que quer que seja mais que isso, devem pensar duas vezes antes de casar com um muçulmano. É que, senão, arriscam-se a um monte de sarilhos que nem Alá sabe como terminam.
Estes conselhos a pedirem cuidados e reflexão aturada, vieram da boca do senhor cardeal patriarca de Lisboa que, numa investida à Figueira da Foz e ao seu vetusto casino peninsular, numa conversa que se queria descomprometida mas, igualmente, desimportante, arriscou tais pensamentos que fizeram corar de estupefacção as diferentes comunidades religiosas, mas especialmente, a muçulmana.
Já falei a este propósito com diversas pessoas que, apesar de reconhecerem a imprudência do cardeal, não ousaram expressar um voto claro de protesto, No seu íntimo, essas pessoas até pensam que sim (e argumentam razões ponderosas para essa tomada de posição) que o casamento com um muçulmano é algo que deve preocupar as raparigas. Os tipos, já se sabe, são uns machistas do pior, caramba, disfarçados de gente normal enquanto andam por cá, mas irredutíveis na prática de uma vida impossível na sua terra logo que a ela regressam, com as mulheres ocidentais à pendura e prisioneiras do seu modo de vida, mais os filhos que nascem dessa união, vergados ao peso de uma tradição que mais parece uma ditadura.
Eu acho, porém, apesar de todas as reservas, que foi uma deselegância. Uma deselegância que nos chega de um homem improvável e por quem tenho consideração. Uma escorregadela que, porventura, o próprio cardeal não merecia.
Na verdade, uma árvore não faz a floresta, tal como uma andorinha, a primavera. Se há casos que dão razão às palavras do cardeal, outros há que as contrariam. Não deveria ele, igualmente, dizer às raparigas que pensassem duas vezes antes de casar com um beato, daqueles que dizem amém às leituras tradicionais, extraídas dos evangelhos lidos nos casamentos católicos e que exortam as mulheres a obedecer aos seus maridos, a andarem na sua sombra e a segui-los cegamente, com fidelidade canina?
Mas pela consideração que o cardeal me merece, quero pensar que as palavras apareceram na sua boca, sem a responsabilidade da sua cabeça. Que foram coisa do momento. É que a Figueira é mesmo assim, improvável e surpreendente. Não foi lá que, em pleno tribunal, um figueirense se mutilou, por não concordar com a decisão de um juiz, subtraindo à sua mão esquerda um dedo de menor préstimo, com recurso a um cutelo que logrou levar escondido para a sala de audiências, entre papeis e outros adereços?
Ainda bem que o senhor cardeal não levou armas brancas, debaixo da sotaina, para o casino. Talvez apenas umas fichas, para experimentar a sorte nas máquinas. E quem sabe se, na euforia de um jackpot, não terá sido impelido a dizer o que disse.

terça-feira, janeiro 20, 2009

dos animais

Eu seja ceguinho. Tenho fotografias a comprovar o que digo: as galinhas da minha vizinha andaram, pelo menos durante um bom par de horas, completamente doidas naquele fim de manhã, e mesmo ao longo da tarde. Por muito que entretanto se tivessem habituado, no que é possível alguém habituar-se, àquele chão e àquele material, diferente de tudo o que entretanto já se tenha experimentado, as galinhas olhavam à volta e, pata a pata, lá foram arriscando um passito aqui, uma escavadela ali, até tratarem a neve tu cá tu lá, e descobrirem o que bicar por baixo daquele branco frio que nunca haviam sequer experimentado. Durante aquele primeiro par de horas que foi o tempo que durou a novidade, as galinhas desorientaram-se, a minha vizinha também, de máquina fotográfica em punho, a registar para a posteridade – que é uma coisa que em braga, pelo menos, dura uma vintena de anos – a nova paisagem em que se inscrevia, como coisa nova, a casa, as árvores, as couves, as galinhas atarantadas e a dona zeladora de memórias frias.
A neve que caiu em Braga, por muito pouca que tenha sido, foi a surpresa que as mensagens de Sócrates e Cavaco não continham, a novidade que os mais novos nunca lograram presenciar nas ruas que frequentam, coisa de outras paragens e latitudes, paisagem de férias finas, que se vêm nas revistas, e que alguns, felizmente, ainda podem ir experimentando.
As galinhas ficaram atordoadas com a novidade, tal como o elefante de José Saramago, salvo seja, no caminho de Lisboa para Espanha, e de lá para a Áustria, como tão bem se lê na Viagem por ele descrita. Como para ele - e para o seu tratador - foi novidade a neve que lhe esbranquiçou o lombo XXL, e que o fez perigar em inúmeras ocasiões.
E já que estamos em maré, e a falar de animais, lugar, antes de fechar esta croniqueta desinteressante, para referir um outro bicho português, senão no BI, pelo menos nos genes longínquos, e que pode ser o animal adoptado por Obama, e que terá cama e roupa lavada na Casa Branca. É que o eleito presidente dos EUA, cuja tomada de posse decorreu à bocado, terá escolhido um cão de água português, para oferecer às suas filhas. Cão esse, que terá, hoje mesmo, igualmente, tomado posse. Consta que o cão de água português tem nos seus genes a fidelidade como matriz inquebrantável e uma capacidade incrível para nadar velozmente, graças a umas membranas que possui nas patas e que fazem dele uma espécie de descendente da Atlântida. Isto para lá daquilo que é suposto um cão ter, pelo menos no contacto com crianças: ser brincalhão e, pasme-se, beijoqueiro.
E para acabar poeticamente, quero postar aqui duas perguntas de Pablo Neruda, insertas no seu Livro das Perguntas, uma oferta de natal que agora me chegou às mãos:
Como se chama o pássaro amarelo que enche o ninho de limões?
E, quantas abelhas tem o dia?

quinta-feira, janeiro 08, 2009

previsões

E 2009 começou e (caramba, mau sinal) nem dei por isso. Estava sentado e sentado fiquei. O puf era confortável, desenhava-me a anatomia em conformidade, acomodava-me simpaticamente, e não achei conveniente interromper tamanha comunhão para chegar a uma taça de champanhe, a umas quantas uvas passas, ou outra coisa característica qualquer…
Até porque, verdade seja dita – apesar da brutalidade da afirmação – nada de novo acontece somente porque o relógio dá a volta e regressa a um reconhecido ponto de partida, o mesmo e invariável ponto de partida de todos os anos.
Bom!, de facto, se este ano se mantém o ponto de partida inalterável, já o mesmo não se pode dizer do ponto de chegada… De diferente em relação aos demais anos que entraram, e que diferença, o facto de este ser um ano mais longo (muito, muito, muito mais) acrescentado, como se anuncia, pelo fermento a ciência e dos cientistas, em um segundo. Um segundo. Uma eternidade. Razão para que, este ano, não nos queixarmos de falta de tempo e, por isso, não deixarmos nada por fazer. Que tempo, é coisa que não nos vai faltar. Pronto.
De resto, à parte esta minudência, sobrevivem à hecatombe do reveillon, os mesmos problemas de 2008. Outra coisa, aliás, não era de esperar, lá porque a noite de trinta e um de Dezembro dobrou um cabo de tormentas e se passou a chamar um de Janeiro, não quer dizer que todos os nossos problemas e pequenas obsessões se tenham dissolvido no oxidado dos dias, ou das noites, como qualquer alumínio desnutrido de memória.
As coisas continuam como estavam, não há volta a dar, temos que arrostar com a mesma vida pequenininha e fútil que experimentámos no ano que foi abandonado, se é que ela foi pequenina e fútil. Querem exemplos?:
- a miúda inglesa, Maddie, continua desaparecida, morta para uns, raptada para outros, mas a alimentar as páginas de revistas e jornais e a conta bancária, helás, de umas quantas criaturas. Até o fulano (cm todo o respeito) que investigou o acontecido, apesar de achincalhado pela imprensa inglesa, já escreveu um livro sobre o desaparecimento e, sabe-se, será o candidato à câmara de Olhão pelo pê esse dê;
- a menina Esmeralda continua dividida entre o pai biológico e os pais afectivos, sem que efectivamente se saiba que prejuízos esta disputa irá inscrever no carácter da criança, que desde tão cedo se vê aprendiz de um jogo perverso, boneco de borracha entre vontade de todos a quererem, cobrando a uns o que cobrará em dobro a outro, e aqui a ordem doa factores é arbitrária;
- a Universidade do Minho prova ipsis verbis que é muito mais rentável fechada – luzes apagadas, aquecimento desligado, segurança apoucada – que aberta ao trabalho científico da docência e da investigação. Pelo menos este natal foi assim, e quem sabe se, na encruzilhada da falta de verba, a experiência não se aconselha em outras repetições, referentes a outras festividades e desacelerações académicas; o barril de petróleo continua a oscilar, neste caso a descer, depois de uma primeira metade do ano que passou, em que não parava de subir. Mas há alguém que perceba este sobe e desce e o interprete com sabedoria e, sobretudo, lógica?;
- aparentemente, o que poderá terminar por aqui, é o mega processo da casa pia que parece, finalmente, encaminhar-se para o seu epílogo, não sem que nos mate a todos a desconfiança de que nada mudará, será tudo limpo, apaziguado com uma porrada forte ao inenarrável Bibi, o único sem qualificações sociais para esperar outro resultado que não seja a cadeia;
- Israel trata de limpar os barracões de material bélico, como de tempos a tempos faz o estado americano, o grande inspirador destas limpezas. Como sempre, quem paga a fava destas alucinações são os desgraçados dos palestinianos. Mas a história, pelo que julgo saber, também pode ser contada ao contrário…;
- e finalmente, haverá eleições no torrão pátrio. Três. A dúvida é saber-se se Sócrates encontrará o equilíbrio que parece ter perdido nos últimos tempos, com várias classes profissionais envolvidas numa luta sem quartel contra si e contra o governo que lidera. Se hipotecou algumas reformas na saúde com a demissão de Coreia de Campos, parece não querer desistir da ministra de educação, e isso poder trazer-lhe amargos de boca. Que a política é mesmo assim.
Bom dois mil e nove.
E tenham cuidado com os ferraris: às vezes também colidem.

quinta-feira, janeiro 01, 2009

bom ano

A general motors, empresa norte-americana que emprega milhares de trabalhadores, – e que nos últimos anos tem vindo a comprar este mundo e o outro no que à indústria automóvel diz respeito, na América e no mundo, – está à beira da falência. Dizer à beira, talvez seja um eufemismo primário porque, segundo julgo saber – e a acreditar no que a imprensa económica tem vindo a dizer –, a empresa já ultrapassou todos os limites da racional sobrevivência, e estava, até há poucos dias, a experimentar os estertores de uma morte anunciada.
Lá, como cá, o Estado resolveu, a bem da economia – disseram – ajudar as seguradoras e a banca, entendendo-as como pilar económico fundamental de salvaguarda de uma qualquer estabilidade em vias de perda. E vai daí, lá como cá, toca a abrir os cordões à bolsa, nacionalizando prejuízos, mas deixando os mais interessantes activos nas mãos dos capitalistas habituais, que nisto de salvação económica, nem tanto ao mar nem tanto à terra. Se se puderem salvar uns quantos anéis, que se lixem dois ou três dedos, sobretudo se os dedos forem seleccionáveis e, portanto, aqueles que parecem - aos Estados - mais sem préstimo e, por isso, dispensáveis. Se não houver automóveis, de que serve o polegar? Boleia? Tá bem...
Ora, com esta deriva das nacionalizações, ficam de fora todas as empresas, as mais e as menos poderosas, contando que não sejam umas nem outras, ou seja, nem bancos nem seguradoras.
De fora fica, pois, a general motors.
Ai ele é isso?, pensaram os accionistas da empresa. Se Maomé não vai à montanha, vai a montanha a Maomé. Se bem o pensaram, melhor o executaram. Desde vinte e cinco de Dezembro, há portanto meia dúzia de dias, a crer na notícia que ouvi em rodapé na rádio – como se houvesse rodapé na rádio –, que a general motors é um banco. Não sei como é que fizeram a operação de mudança de sexo, nem sei que sexo corresponde a uma empresa, por muito grande que seja, cujo objecto é a construção de automóveis, nem que sexo corresponde a um banco, mas com a bênção do tesouro americano, a empresa que até agora construía carros, passa a ser banco, em condições, portanto, de se candidatar aos apoios estatais disponibilizados.
É isto, ou não é, um verdadeiro milagre de Natal?
Meditação:
Enquanto no nosso país não existir, e se trabalhar, com esta criatividade, enquanto continuarmos tacanhamente a pensar que alhos são alhos e bogalhos são bogalhos, não chegaremos longe.
Isto sim, isto é que é simplex.