quarta-feira, janeiro 21, 2009

o cardeal e os muçulmanos

E na semana que passou, ficámos a saber que as raparigas, independentemente do seu credo religioso ou do que quer que seja mais que isso, devem pensar duas vezes antes de casar com um muçulmano. É que, senão, arriscam-se a um monte de sarilhos que nem Alá sabe como terminam.
Estes conselhos a pedirem cuidados e reflexão aturada, vieram da boca do senhor cardeal patriarca de Lisboa que, numa investida à Figueira da Foz e ao seu vetusto casino peninsular, numa conversa que se queria descomprometida mas, igualmente, desimportante, arriscou tais pensamentos que fizeram corar de estupefacção as diferentes comunidades religiosas, mas especialmente, a muçulmana.
Já falei a este propósito com diversas pessoas que, apesar de reconhecerem a imprudência do cardeal, não ousaram expressar um voto claro de protesto, No seu íntimo, essas pessoas até pensam que sim (e argumentam razões ponderosas para essa tomada de posição) que o casamento com um muçulmano é algo que deve preocupar as raparigas. Os tipos, já se sabe, são uns machistas do pior, caramba, disfarçados de gente normal enquanto andam por cá, mas irredutíveis na prática de uma vida impossível na sua terra logo que a ela regressam, com as mulheres ocidentais à pendura e prisioneiras do seu modo de vida, mais os filhos que nascem dessa união, vergados ao peso de uma tradição que mais parece uma ditadura.
Eu acho, porém, apesar de todas as reservas, que foi uma deselegância. Uma deselegância que nos chega de um homem improvável e por quem tenho consideração. Uma escorregadela que, porventura, o próprio cardeal não merecia.
Na verdade, uma árvore não faz a floresta, tal como uma andorinha, a primavera. Se há casos que dão razão às palavras do cardeal, outros há que as contrariam. Não deveria ele, igualmente, dizer às raparigas que pensassem duas vezes antes de casar com um beato, daqueles que dizem amém às leituras tradicionais, extraídas dos evangelhos lidos nos casamentos católicos e que exortam as mulheres a obedecer aos seus maridos, a andarem na sua sombra e a segui-los cegamente, com fidelidade canina?
Mas pela consideração que o cardeal me merece, quero pensar que as palavras apareceram na sua boca, sem a responsabilidade da sua cabeça. Que foram coisa do momento. É que a Figueira é mesmo assim, improvável e surpreendente. Não foi lá que, em pleno tribunal, um figueirense se mutilou, por não concordar com a decisão de um juiz, subtraindo à sua mão esquerda um dedo de menor préstimo, com recurso a um cutelo que logrou levar escondido para a sala de audiências, entre papeis e outros adereços?
Ainda bem que o senhor cardeal não levou armas brancas, debaixo da sotaina, para o casino. Talvez apenas umas fichas, para experimentar a sorte nas máquinas. E quem sabe se, na euforia de um jackpot, não terá sido impelido a dizer o que disse.