segunda-feira, fevereiro 16, 2009

juris prudência

O sporting de braga, ou melhor, a sua sociedade anónima - que é como quem diz, um grupo de accionistas reunidos à volta de uma equipa de futebol e usando-a a seu bel prazer para tudo aquilo que entenda ser mais útil às suas necessidades económicas – foi, há tempos, jogar contra a sad rival do benfica, no estádio dito da luz, e perdeu. Parece que perdeu mal. Duplamente. Porque perdeu ingloriamente; e porque perdeu injustamente. No plano desportivo e no plano legal, das leis do jogo. Pelo menos a avaliar no que se disse e se escreveu no entretanto. Reclamaram, os de Braga, que foram prejudicados pela equipa de arbitragem, coisa normal nos tempos que correm, creio que toda a gente se queixa, mesmo que não tendo razão, o que parece que não era o caso. E não reclamaram, porque para isso não há reclamação possível, que terão jogado melhor que o oponente, mas sem resultados visíveis no plano desportivo, por força dos julgamentos enviesados.
Alguns dos responsáveis da sad bracarense foram mesmo mais longe e disseram que, o que acontecera no estádio da luz, fora um roubo. Disse-o o presidente da sad, e disse-o, igualmente, o presidente da câmara, ilustre bracarense, idílico defensor do clube. Disse que era um roubo de igreja, um escândalo, e não sei que mais.
Nota: eu é que digo, que ele terá dito, que era um roubo de igreja. Na verdade, eu ao pensar em braga, ligo uma instituição à outra… Pré conceitos.
Bom, admite-se que, na rua, sejam assim etiquetados os actos decisórios de qualquer juiz, por mais balelas que ele seja. Entre dois oponentes, há sempre um que sai a perder e é, precisamente, no decisor, que recairá o ónus da revolta. Mas às pessoas importantes, com responsabilidades públicas, aos políticos, pede-se que sejam (como dizer?) políticos. Espera-se um pouco mais de reserva, que não de menos amor à camisola. Cautelas e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém. Ao dizer o que disse, Mesquita Machado, pois é dele que estou a escrever, abriu caminho a múltiplas interpretações. Pôs-se a jeito, como diz o povo. E este «pôr-se a jeito», como se diz popularmente, tem uma relevância tanto maior, quanto o futebol, matéria por si comentada, é a coisa mais popular que se conhece nos dias que correm. O que se ouve em surdina, de boca pequena para ouvido grande ou, um pouco mais inconscientemente, ao sabor dos ventos, acerca do presidente, pode agora dizer-se em voz alta, quer na rua quer nos jornais – se é que algum dará alguma vez eco a tal gritaria. Mesmo que depois, inspirados em plenitude no exemplo presidencial, os cidadão falantes, se tenham que demitir, no caso, da sua cidadania.
Cada um demite-se do que pode.

o sol depois da chuva

Um amigo meu, velho estudante de Coimbra, disse-me uma vez que não se lembra de alguma vez ter visto cair chuva na Lusa Atenas, durante os cinco ou seis anos que lá esteve a estudar, tal o encantamento em que vivia por esses tempos.
Eu, que embora sendo de outra geração, partilho com ele alguns dos gestos que ainda me encantam, apesar da desilusão destes tempos sem ética e sem sentido, já não me lembrava do astro rei em toda a sua plenitude, das suas lambidelas quentes, para lá das teimosas e persistentes lágrimas sem sal que foram, durante tantos dias, o nosso dia-a-dia. E que, ameaçam os arruaceiros do instituto de meteorologia, irão voltar.
Não há ninguém que empreste um guarda-chuva ao mundo? Para ver se fazemos destes dias, dias de eterna Coimbra?

sábado, fevereiro 07, 2009

instantâneos 1

Há uns tempos, fui almoçar, tardiamente, nos arredores do Mercado de Arroios, não muito longe da Praça do Chile. Lembrei-me de um amigo chileno em particular, e de um prato que ele cozinha com milho e carne e usas passas doces, enquanto percorria algumas ruas da zona à procura de um sítio com aspecto mais ou menos interessante, para comer qualquer coisa, pouca, que era essa precisamente a intenção, mesmo que levasse aquele bolo de milho na saliva. Encontrei um snack mais ou menos disponível, com lugar vazio, chamado Snack-Bar Castela, ou qualquer coisa semelhante. Entrei e sentei-me de costas para a TV. À minha frente, distante duas mesas de mim. sentou-se um senhor alourado, com o Correio da Manhã na mão. Abriu-o e começou a ler. O empregado estava entretido a conversar com um outro cliente. Dizia-lhe: se jogas assim no domingo, não ganhas. Eu olhei o interlocutor do empregado e não lhe vislumbrei ar de jogador. Só de for de damas, ou xadrez, pensei. Mas o empregado continuava; se jogas assim no domingo, é melhor nem entrares em campo. O que é que querias fazer com a entrada do F? Tás maluco ou quê? Depois é que percebi: o empregado queria tratar toda a gente como se estivesse no meio de uma narrativa shakespeareana, e fazia o erro na convocação da terceira pessoa. Queria ele dizer, na sua, que «se no domingo jogais assim, não ganhais», e por aí adiante. Pronto, fiquei mais descansado.
- Então o que é que queres comer?
Agora era comigo. Eu traduzi, antes de me ofender: «então o que é que quereis comer? Já escolhestes, senhor?»
- O que é que há, perguntei eu.
Ele trouxe a ementa e, hélas, em letras gordas, lá estava: cachupa.
- Há cachupa?
- E da boa, disse ele. A nossa cozinheira é caboverdiana e às quintas, há sempre cachupa rica.
- Então é isso mesmo que eu quero, disse eu, esquecido de que, o que eu queria mesmo, era qualquer coisa leve.
Na TV anunciavam mau tempo para um terço do território português. Diziam que havia estradas intransitáveis, e o pivot chamava o repórter em directo do local. O senhor louro tirou os olhos do jornal e olhou para a TV. Sorria.
- Tás-ta a rir?
E o homem loir sorriu ainda mais, enfiado no seu blusão de penas.
- Não sabias que em Portugal também cai neve?
O empregado falava para o homem loiro.
- Tás-ta a rir? Aquilo não é no pólo norte, pá. Aquilo é aqui. Nós somos muito grandes. Cai neve ali e faz sol noutro sítio qualquer.
- Aquil(i)o não é n(i)eve.
Era o loiro.
- Não é neve? Atão é o quê? Caspa?
- Aquil(i)o é uma brincad(i)eir(i)a.
- Num é neve? Mais de um metro de altura…
- Na beir(i)a da estr(i)ad(i)a... Varr(i)em-n(i)a par(i)a lá(i).
- Aquilo é neve, e melhor do que a que há na tua terra, pá.
Olá, chegou a cachupa. Bem boa. Quer dizer: cheira bem. Fumegante.
- N(i)e(i)v(i)ar, é quand(i)o esti(ã)o vi(ei)nte ci€nco graus ab(i)aix(i)o de z(i)er(i)o.
Bem boa a cachupa. Hum…
- Amanhã se jogas assim, não ganhas.
Um pedaço do mundo, reunido ali, naquele snack-bar Castela.
- Também queres cachupa?
- N(i)ão, obrig(uid)ad(i)o. Mas p(i)ode servi(e))r-me um bag(ui)aç(i)o.
Na TV, a Catarina Furtado, no intervalo do telejornal, fazia publicidade à Pantene.

sapateados plásticos

Era para ser, apenas, mais uma conferência de imprensa, mas redundou num monumento público, manifestação obvia contra a ocupação americana, em pleno Iraque.
E que maior manifestação poderia haver, se se disser que o monumento público, objecto físico que testemunha essa manifestação, está levantado em pleno coração da cidade que viu nascer Saddam Houssein, o ditador deposto, precisamente, pela avançada americana? Que mais evidências poderiam haver?
A 14 de Dezembro do ano passado (há um mês e meio, portanto… como o tempo voa), o jornalista iraquiano Muntazer Al Zaidi, no meio de tantos outros jornalistas, preparava-se para assistir tranquilamente – e aqui, tranquilamente é, por certo, uma força de expressão – a mais uma conferência de imprensa de Bush. Já devia ter afiado uma dúzia de lápis de modo a ter carvão suficiente para captar as anedotas que o surrealista presidente americano haveria de parir, grávido como andava sempre de jocosidades involuntárias.
Ninguém sabia, e se calhar nem sequer o jornalista no centro da notícia, a força da história que estava prestes a acontecer.
No auge de uma fúria momentânea, ou por força de uma premeditação – não sei se foi uma coisa ou outra… ou outra coisa qualquer – Muntazer Al Zaidi tirou um sapato do pé e arremessou-o violentamente contra Bush, (com a violência possível no arremesso de um sapato normal) que, depois de se esquivar, felino, raios o partam, ainda esboçou um sorriso malandro, amarelo mesmo, de menino inocente e traquinas que não percebe o que está a acontecer. Mas mal o sorriso estava desenhado, logo teve que se esquivar segunda vez, para se afastar do segundo sapato que, com força e pontaria, o malandro jornalista lhe arremessara. A segurança ao segundo sapato acorreu. Hum, – deverão ter pensado –, aquele arremeço de sapatos, indiciava uma prática muito para além da normal. Deverá ter exigido estágio, formação aturada, e muita, muita prática terrorista.
Depois, já se sabe: Al Zaidi foi preso, ainda está no xelindró por tentativa de homicídio de um presidente americano, ainda que com uma arma letal chamada sapatos, e quem ganhou dinheiro com a coisa, foi o fulano que disse ser o inventor das armas letais, um turco danado para o negócio, que vendia cerca de 200 pares de mísseis por dia, um modelo chamado «Ducati 271», nome de obuz conforme quase soa, e que ele se apressou a rebaptizar por «By by Bush». Escusado será dizer que a produção da fábrica do turco aumentou superlativamente para cinco mil dia. Diz o feliz proprietário que o seu modelo tem uma estrutura cómoda, em couro, e chama a atenção para as solas em poliuretano e para o interior forrado a algodão. Um modelo dinâmico que parece dar asas a quem o usa, publicita, vendilhão.
Na praça central da cidade onde nasceu Saddam, o enorme sapato exposto não pode ter asas. Ou se as tivesse, elas ser-lhe-iam inúteis. O couro foi transformado em metal, o chão onde assenta, é pesado betão, e a dimensão do sapato há-de andar à volta dos dois ou três metros na horizantal, avaliar pelas imagens que nos chegam.
Bush pode dormir descansado, que nenhum jornalista em fúria conseguirá levantar aquela revolta de aço.
Mas alguém o fez, o sapato ainda está lá, e testemunha esse momento.
Bush, esse, é que já partiu para parte incerta. Como acertar-lhe agora?