sábado, fevereiro 07, 2009

sapateados plásticos

Era para ser, apenas, mais uma conferência de imprensa, mas redundou num monumento público, manifestação obvia contra a ocupação americana, em pleno Iraque.
E que maior manifestação poderia haver, se se disser que o monumento público, objecto físico que testemunha essa manifestação, está levantado em pleno coração da cidade que viu nascer Saddam Houssein, o ditador deposto, precisamente, pela avançada americana? Que mais evidências poderiam haver?
A 14 de Dezembro do ano passado (há um mês e meio, portanto… como o tempo voa), o jornalista iraquiano Muntazer Al Zaidi, no meio de tantos outros jornalistas, preparava-se para assistir tranquilamente – e aqui, tranquilamente é, por certo, uma força de expressão – a mais uma conferência de imprensa de Bush. Já devia ter afiado uma dúzia de lápis de modo a ter carvão suficiente para captar as anedotas que o surrealista presidente americano haveria de parir, grávido como andava sempre de jocosidades involuntárias.
Ninguém sabia, e se calhar nem sequer o jornalista no centro da notícia, a força da história que estava prestes a acontecer.
No auge de uma fúria momentânea, ou por força de uma premeditação – não sei se foi uma coisa ou outra… ou outra coisa qualquer – Muntazer Al Zaidi tirou um sapato do pé e arremessou-o violentamente contra Bush, (com a violência possível no arremesso de um sapato normal) que, depois de se esquivar, felino, raios o partam, ainda esboçou um sorriso malandro, amarelo mesmo, de menino inocente e traquinas que não percebe o que está a acontecer. Mas mal o sorriso estava desenhado, logo teve que se esquivar segunda vez, para se afastar do segundo sapato que, com força e pontaria, o malandro jornalista lhe arremessara. A segurança ao segundo sapato acorreu. Hum, – deverão ter pensado –, aquele arremeço de sapatos, indiciava uma prática muito para além da normal. Deverá ter exigido estágio, formação aturada, e muita, muita prática terrorista.
Depois, já se sabe: Al Zaidi foi preso, ainda está no xelindró por tentativa de homicídio de um presidente americano, ainda que com uma arma letal chamada sapatos, e quem ganhou dinheiro com a coisa, foi o fulano que disse ser o inventor das armas letais, um turco danado para o negócio, que vendia cerca de 200 pares de mísseis por dia, um modelo chamado «Ducati 271», nome de obuz conforme quase soa, e que ele se apressou a rebaptizar por «By by Bush». Escusado será dizer que a produção da fábrica do turco aumentou superlativamente para cinco mil dia. Diz o feliz proprietário que o seu modelo tem uma estrutura cómoda, em couro, e chama a atenção para as solas em poliuretano e para o interior forrado a algodão. Um modelo dinâmico que parece dar asas a quem o usa, publicita, vendilhão.
Na praça central da cidade onde nasceu Saddam, o enorme sapato exposto não pode ter asas. Ou se as tivesse, elas ser-lhe-iam inúteis. O couro foi transformado em metal, o chão onde assenta, é pesado betão, e a dimensão do sapato há-de andar à volta dos dois ou três metros na horizantal, avaliar pelas imagens que nos chegam.
Bush pode dormir descansado, que nenhum jornalista em fúria conseguirá levantar aquela revolta de aço.
Mas alguém o fez, o sapato ainda está lá, e testemunha esse momento.
Bush, esse, é que já partiu para parte incerta. Como acertar-lhe agora?