sexta-feira, maio 22, 2009

a sibéria dos afectos

A justiça tem destas coisas, impossíveis de perceber, a luz da lei do bom senso. Não que os juízes sejam insensatos. Não é isso que quero dizer. Sei que alguns são-no. E muito. Mas a insensatez não é uma coisa que se pegue, do género do vírus, se bem que, às vezes, consegue contaminar até as almas mais capazes. Sobretudo quando o barulho que se faz à volta de alguma coisa, desse gesto insensato, possa produzir, no turbilhão dos acontecimentos desencadeados, insensatez em cadeia. Mas isso é fenómeno para outras observações, que não esta.
Pensando-se que à justiça cumpre a observação da sensatez, pensando que as leis são a coisa mais sensata que existe à face da terra, custa a perceber o que aconteceu àquela menina que no início desta semana retornou a uma pátria que já não é a dela, no colo da mãe que, num momento (ou em dois) a maltratou e abandonou.
Sem estar por dentro do processo, a que apenas o juiz tem pleno e total acesso, é estranho perceber o emaranhado de insensatez presente na decisão. Senão vejamos: um bebé do sexo feminino, é praticamente abandonado pela mãe, por força de uma vida desregrada (atenção que não estou a culpar ninguém… como diria o outro, quem nunca cometeu um pecado que atire a primeira pedra). Essa menina é enviada pela segurança social, para uma família de abrigo que cuida dela nos quatro anos subsequentes. Este tempo é interrompido por uma tentativa de reposição da ordem natural das coisas, mas a mãe volta a não ter capacidade para tratar da criança e, mais grave, terá propiciado que a menina fosse vítima de maus tratos, mesmo sexuais, por parte do companheiro vigente. Quatro anos depois, a justiça portuguesa volta a arriscar a segurança e a felicidade da miúda. Mais grave ainda, quando sabia que a mãe biológica da criança ia regressar compulsivamente à Rússia, levando com ela a miúda, mesmo não falando ela russo e, aparentemente, contra a sua vontade.
Ou muito me engano, ou teremos aqui muita matéria sobre que falar nos tempos que aí vêm. Ou então, não. Afinal trata-se apenas de uma miúda, ainda por cima russa (mesmo que não falante da língua de Tchekov), coisa pouca para sobressaltar a justiça portuguesa.

quarta-feira, maio 13, 2009

sozinho (preso) em casa

A Câmara Municipal de Braga, através dos seus serviços de informação (não é assim que se chama, creio, mas para o caso serve), envia-me, e eu agradeço, a programação das coisas que dizem respeito à cultura, mas igualmente outras relativas ao desenrolar do dia-a-dia bracarense: se esta ou aquela estrada fecha para obras; cortes de água, e coisas afins; etc etc etc. Não interessa agora estar a aqui a recordar as coisas todas de que sou informado. Eu e todos os que têm acesso a este serviço, e que serão todos os que o quiserem receber, creio.
Na quinta-feira passada, e depois de ter tentado sair de casa e de não ter conseguido por força do trânsito que estava a impedir tudo o que quer que se mexesse e tivesse quatro rodas nas imediações dela, enviaram-me as sugestões culturais. Eu que estava a regressar a casa depois de ter desistido de sair do bairro, fiquei furibundo, confesso. A estradinha que serve esta zona habitacional é, já de si, escassa e estreita, praticamente uma estradinha de aldeia, que lenta e sonolenta sobe (ou desce, para as formigas que vão em sentido descendente) o monte, mas desde que começaram as obras do novo hospital, é ainda mais dolente e enervante. Coisas de velha. De estrada sem pressa que se zanga com o stress a que os condutores estão sujeitos. Ainda por cima, escanzelada, com os ossos em mísero estado, a velha estrada é, verdadeiramente, a única via que serve as obras do hospital, o que significa, durante o dia, mais peso para aguentar, mais trabalho fora de tempo. Ora isso não se faz a uma velha estradinha de aldeia. Há um outro acesso, ainda mais enfezado, de montanha, que bordeja o monte pelo lado de Gualtar.
Eu não percebo o que é que passa pelas cabeças dos senhores da câmara para permitirem uma coisa destas. Como é que não antecipam os problemas? Não fizeram estudos preleminares? Sabem quantos carros passam na tal estradinha enfezada? Que população é que ela serve? Se está, ou não, preparada para servir essas pessoas e esses carros? Então, começam uma obra da dimensão de um hospital e não se preparam com vias de acesso à obra de modo a alimentar a coisa? Um hospital, não é suposto estar dotado de vias de acesso boas e rápidas, que salve vidas? E se têm de os fazer, os tais acessos, porque é que não começaram por aí? Se os têm de fazer… Não pensam nisso, os senhores responsáveis?
Peço desculpa aos senhores vereador do trânsito Carlos Malainho e ao senhor chefe de divisão, Alfredo Barata, mas, porra, onde é que estavam com a cabeça?
Depois de várias tentativas telefonicas, não foi muito difícil, honra lhe seja feita, consegui falar com o segundo. Explicou-me que o dono da obra é que é o responsável pelos acessos. Depois contou-se que a estrada a que eu aludo, é propriedade da câmara, mas a estrada que lhe dá acesso, da circunvalação, pertence às estradas de Portugal. Que, resumindo, não há praticamente nada a fazer. Que combinaram com o dono da obra, e disso deram conhecimento à polícia, que os camiões entravam por um dos acessos e saíam pelo outro., Ou seja, que nunca se cruzariam, de modo a não dificultar a circulação. Acontece, senhor director, é que não acertaram isso com os restantes camiões que por ali circulam. Nem, veja-se a dimensão do esquecimento, com os autocarros dos TUB. Portanto, tudo mal.
As sugestões culturais que me enviaram são óptimas, essas ou quaisquer outras, desde que eu possa usufruir delas. De carro, é que não.
Este domingo de manhã, um amigo lembrou-se que poderia usar uma das gruas desta floresta que agora me fornece vista, para me catapultar daqui para fora, sempre que tiver de ir trabalhar. Um gancho no cachaço, e com a amplitude do braço de uma das maiores, ela colocar-me-ia, sem problema, por exemplo, na rodoviária nacional. Ups, bolas, também está em obras. Ou então no centro. Bebo um café e depois apanho o comboio. Uáu, chiça outra vez, as obras do túnel.
Claro, já me esquecia. É ano de eleições. Pois, pois, pois!

domingo, maio 03, 2009

de cherne a enguia

Nuno Álvares Pereira é já santo. Santo reconhecido pela Igreja ao mais alto nível, o papal, e deixou o título de Beato arrumado a um canto, para assumir o de santo, com direito a dia consagrado no calendário religioso, e tudo.
A figura elegante de Nuno Álvares Pereira, aquele místico que teve visões antes das grandes batalhas – alguém me dizia, a propósito da crónica da semana passada que, se há momentos tristes na história de Portugal, o da luta pela independência em 1383-85 é um desses; tal como a actuação de um tal Afonso Henriques, um rebelde com causa que lutou contra a própria mãe, para independentizar Portugal de Castela; e, finalmente, a dos Restauradores em 1640 que derrubaram o poder dos Filipes. Nestes três momentos se jogou e se decidiu o futuro de Portugal. Não fora isso e seríamos espanhóis. Para o bem e para o mal. Para esses meus amigos, mais para o mal que para o bem. Olé.
Mas dizia eu que a figura elegante de Nuno Álvares Pereira é incontornável na história de Portugal.
Outros portugueses há, tantos, que fazem da nossa história, uma coisa verdadeiramente nossa, coisa íntima, ao nível poético da alma. Gente com acção política e militar, sim, claro, como o atrás citado, mas igualmente no domínio cultural, no campo da literatura, mas também das ciências, do altruísmo, e sei lá que mais.
Uns pelas melhores razões – e era a esses que eu me estava a referir – e outros pelas menos boas. Mas que sei eu.
Vem isto a propósito da eleição do próximo presidente da comissão europeia, cargo ocupado nos últimos tempos por Durão Barroso. Todos nos lembramos da escolha desta eminente figura lusa para o desempenho daquelas funções. Era, como se sabe, um indefectível bushista, que promoveu, envolvendo Portugal de uma forma absolutamente abusiva, a cimeira das Lages, com o dito Bush, Aznar e Blair. Consta que foi lá, com os três, servidos à mesa por um quarto, o tal, que se decidiu a invasão do Iraque. Terá sido lá, igualmente, que os três, mais um, terão urdido a mentira das armas de destruição maciça que importava anular. Curiosamente, deste tríptico mais um, todos os protagonistas já caíram da tripeça. O mais um, que não é publicidade a nenhuma farinha, é o que insiste em permanecer no retrato e está a fazer pela vidinha, como, aliás, fez, aquando da primeira eleição.
(Na verdade, e desculpem-me os sucessivos parêntesis, não percebo como é que se insiste em chamar àquela treta, eleição, quando do que se trata, verdadeiramente, é de uma negociação; democracia o quê?, tomem lá a assoem-se.)
O homem, conhecido por cherne como uma vez lhe chamou em tom elogioso a sua mulher citando um poema, já se afirmou obamista, não se importando que Obama seja o contrário de Bush, pelo menos naquilo que lhe é possível.
Em Portugal a discussão é sobre se se apoia o mais um, ou não. Vital Moreira terá levantado o problema no interior do PS e inaugurou uma discussão nacional. Apoia-se a eleição para cargo europeu de relevo, de alguém que não se importa se defendes bugalhos, quando há tempos afirmou que alhos é que era, apenas para garantir votos?
O país está entre a espada e a parede.
Que situação desconfortável, esta, de ter, patrioticamente, de apoiar um luso-xico-esperto (com todo o respeito), mesmo que isso viole princípios de honestidade intelectual de qualquer português de cepa que se preze.
Eu por mim, vou começar por propor à esposa de Barroso que o alcunhe de enguia. Também vive na água, mas tem um jogo de cintura muito melhor que o cherne.