quarta-feira, maio 31, 2006

Lembrei-me há dias, não por acaso, de uma velha canção de Fausto, [que é, como se sabe, um cantor maldito, talvez o cantor maldito deste país, o cantor censurado, mal passado na rádio, mal divulgado, mal contratado, etc.], composta há já não sei quanto tempo, que o tempo quando passa por nós é uma espécie de locomotiva que nos deixa feitos em papa... Pois o tal Fausto, escreveu uma cantiga chamada COÇA A BARRIGA e cantou-a. Uma sátira aos tempos que corriam, que naquelas coisas de cantigas, o homem falava, normalmente, do passado para evocar os presentes: os pressentidos e os vivenciados. Eu lembrei-me dela, da cantiga, porque, ao que julgo saber, por causa de uma novela que a juventude deste país consome desreguladamente (nos antípodas do que acontece com Fausto, precisamente) há escolas a fechar, gente à rasca com o que pode estar a acontecer de psicossomático às criancinhas portugas, que já sentem o que não sentem, como na quadra do poeta sobre a sua natureze, que sentindo a dor tão completamente, chega a sentir que é dor a dor que deveras sente.
À pala de uma espécie de praga alérgica que é teledifundida pela TV a partir de uma ficcionada escola queque de Cascais (com quê de quá quá), onde os quase-todos-betinhos que fazem de alunos betinhos se queixam de uma praga qualquer que os faz andar a coçar-se o tempo todo, os adolescentes portugueses, sugestionados pela ficção, começaram a coçar-se na vida real, até quase arrancarem a pelo (somos o país do quase). Assim sendo, e porque mais vale prevenir que remediar, toca a frequentar os bancos dos hospitais para verificar a origem da coceira e, por via disso, fecharam-se várias escolas, pediram-se desinfestações de outras, (que os ácaros, ou lá que raio de praga é, andam por aí), pais e encarregados de educação em polvorosa, aqui d’el rei que os nossos filhos e/ou educandos, estão a ser sugestionados massivamente, ou então estão doentes mesmo, vá lá saber-se.
Eu pergunto: e se os tipos do colégio queque de cascais desatassem todos a representar bem, será que tínhamos um país de excelentes actores?
E se começassem a estudar matemática que nem Einstein's? Passávamos a saber fazer contas?
Porque é que não se usa a coisa em nosso benefício e não sempre contra nós?
Quanto à praga, a confirmar-se a contaminação por cabo ou antena, sei lá – como diria a margarida rebelo pinto: não se pode desligar, pura e simplesmente, o caixote da parede? Poupava-se imenso dinheiro em vacinas, tempo, anti-vírus, electricidade e bom gosto.

quarta-feira, maio 24, 2006

A novela recomeçou, já há dois anos foi a mesma coisa, meia bola e força, o futebol torna a ser uma espécie de Katrina, (e o mundo inteiro - Portugal sobretudo - uma Nova Orleães desdiquetada), que encorpado e sôfrego, lamacento e caudaloso, galga as margens que lhe deveriam tolher os movimentos exorbitados e a grandiosidade sem razão, e inunda a vida portuguesa deixando-nos, ou sem vida (afogados nos hectolitros de tinta que hão-de jorrar) ou encharcados até aos ossos, sendo que os ossos são a coisa mais íntima e mais interior que há em nós.
E com o futebol, já se sabe, chega novamente a praga das bandeiras, quilómetros de pano tingido a ondular ao vento, nas varandas e janelas deste país.
E chega a pichagem a pedido do seleccionador, enquanto forma de apoio aos jogadores que representarão Portugal no campeonato do mundo da Alemanha.
E por momentos esquecemos o preço do combustível, a lista de espera para cirurgias nos hospitais portugueses, o desemprego, o nível de vida cada vez mais inflacionado, o estado da coisa cultural nacional, etc.
Mas o circo tem de continuar. Quando o pão falta na mesa portuguesa e as laranjas são coisa demasiado ácida para espremer, que venham os palhaços (malabaristas da bola, atletas do surf popular) cavalgar a onda.
Feliz alienação.