pancadaria com (a)preço
Não sei se já
tinha dito, mas há coisas que me causam enorme confusão e me tiram, realmente,
do sério. É verdade que eu sou homem para ferver em pouca água e, por isso, já
devo ter abordado aqui esta questão.
Eu conto. Ou
reconto, conforme o caso.
Há coisas para
as quais todos nos habituamos a olhar como se fossem a coisa mais normal do
mundo e que, na minha consideração alimentada por valores antigos e
retrógrados, considero absolutamente à margem da ética mas que, atenção, não
quero desconsiderar em demasia por sentir que elas são isso mesmo,
considerações fora da época e do tempo e alimentadas por essa lenha.
Por exemplo: imagine-se
que alguém é mal diagnosticado num hospital e, em consequência disso, morre. A
família dessa pessoa, para além da sentida dor da perda, e de modo a enxugar um
pouco as lágrimas que necessariamente tem de derramar, exige uma indemenização
à instituição médica por não ter acertado no diagnóstico, ou com o eficiente
atendimento, ou sabe-se lá mais porquê.
Ou seja, para
mim que sou antigo, essa família fica a lucrar com a morte dessa criatura.
Independentemente da efectiva dor, que é impagável do meu ponto de vista, ou do
erro cometido, que deve ser ressarcido de uma maneira qualquer, mas não
daquela. O mesmo se passa no que se relaciona com crimes à honra e que dão azo
a pagamentos ao que ficou com a honra rasgada...
Já com
acidentes de trabalho ou quejandos, a coisa muda de figura quando é o próprio
que fica dependente de uma ajuda qualquer para poder manter um nível de vida
que não pode ser apoucado.
E mesmo assim,
sei de histórias de verdadeira caça à indeminização que me faz corar de vergonha
alheia. Que nesta coisa de vergolha, há sempre alguém que fica com a cara a
arder, mesmo que não seja o próprio que tenha dado a cara.
É claro que há
casos e casos. Mas serve este intróito apenas para chegar ao ponto que quero
falar.
Vem isto a
propósito do caso do miúdo de Ponte de Sôr, espancado pelos dois filhos do
embaixador do Iraque. O rapaz apanhou uma valente sova dos dois iraquinaos, que
devem ter uma bela escola em matéria de pancadaria (vêem como o preconceito já
está instalado?), até porque sabemos que os rapazes de hoje (e as raparigas,
para meu espanto) são danados para a pancadaria e batem sem arrependimentos,
com a capacidade e a certeza de aleijar mesmo, arreando em sítios como a
cabeça, com as partes do corpo que têm de mais duras, como os pés, ou com objectos
contundentes e tudo. O miúdo alentejano ficou entre a vida e a morte, em coma,
já não me recordo se induzida, e com auxílio respiratório e tudo. A coisa foi
mesmo grave.
O estado
português ficou com um problema entre mãos, porque os miúdos iraquianos têm
imunidade diplomática por serem filhos de embaixador e não podem, por isso, ser
presentes à justiça portuguesa sem que essa minudência jurídica seja
contornada.
E não o foi
durante todo este tempo, porque o estado iraquiano nunca desapoiou o seu alto
funcionário diplomático e a sua família.
Mas há sempre
maneira de contornar as coisas. Este episódio foi-o pelas vias mais básicas. O
embaixador resolveu indeminizar a familia do miúdo alentejano espancado, e a
família vai retirar a queixa. Negociou com ela uma verba que se desconhece e
tudo ficará na paz do Senhor. Ou de Alá. Para além disso, o senhor embaixador,
pai dos dois miúdos arruaceiros, ou a própria embaixada, pagou todas as contas
hospitalares, nada que três ou quatros barris de petrólio não resolva. E já
está. Assim se resolvem as coisas.
(...)
Não é uma
vergonha?
Sou só eu que
vejo as coisas assim?
Antigamente dizia-se
que a mulher de Céser não deveria apenas ser séria, tambem tinha de perecer que
o era. Neste caso, obviamente, não é nem parece.
Sou antigo.
Pronto. Nao há nada a fazer.