segunda-feira, março 02, 2009

da polícia de segurança púbica e outras notícias

O estranho caso dos livros pornográficos apreendidos numa feira do livro em braga, e que afinal não eram pornográficos, aborrece-me triplamente. E triplamente porque;
um: foi em braga que aconteceu;
dois: envolveu pessoas por quem tenho estima: o empresário livreiro, e o segundo comandante da PSP;
e três, porque há mais de trinta anos que Portugal não assistia a uma coisa destas, se bem que, com o Evangelho Segundo Jesus Cristo, de Saramago, tivesse havido qualquer coisa indiciadora de censura, com o secretário de estado remetido ao silêncio – se bem me lembro – deixando o protagonismo do gesto censório ao sub-secretário de estado. É o que dá, em questões de arte e cultura, haver pessoas a pensar pela sua exclusiva cabeça, abençoadas pela seu único e ditador pensamento.
Mas a propósito do tanto que já se disse e já se escreveu sobre o quadro e sobre a situação embaraçosa a que deu azo, quero, ainda assim, dizer meia dúzia de coisas que me ocorreram e secretamente me embaraçaram, quando vi a notícia:
A reprodução do quadro, na imprensa escrita pelo menos, vinha imediatamente catalogada como sendo de Gustave Courbet, como estando exposta no Museu D’Ordsay e isso, ora aí está, tirava todo o espaço de condescendência que pudesse existir, em relação à posição da Polícia.
(Não sei quem foi que na imprensa – Pedro Mexia? Cintra Torres? - terá ousado fazer um trocadilho muito bem disposto – e inspirado – com a sigla PSP, como podendo significar Polícia de Segurança Púbica. )
Que existiam dois crimes naquela apreensão, disse-se: um que derivava do facto censório em si mesmo; e outro que advinha da ignorância dos guardas que desconheciam a importância da obra. Mas convenhamos, aos homens da polícia não se pede exactamente que sejam cultos, que estejam na posse de dados que escapam ao mais normal dos cidadãos. É-lhes exigido, isso sim, cuidado na observação da lei, e nisso não devemos ser condescendentes. Quanto ao resto... E depois, que chatice, tenho consideração pelo segundo comandante que deu a cara pelo ocorrido. Conheci-o há uns anos, e fiquei com uma excelente impressão dele.
Mas realmente de notável, o espaço que Braga ocupou na atenção dada às notícias mais ou menos escabrosas daquele dia: no jornal Público, na página ímpar, a notícia da censura da vagina de Courbet, salvo seja, e na página par, a notícia que dava conta, essa sim pornográfica por demais, da acusação em tribunal, de um poderoso empresário de Braga, por corrupção activa para acto lícito – o que é que isto quer dizer? – «castigando-o» com uma multa de cinco mil euros. Cindo mil euros. Isto sim, é pornografia e da grossa.
Mas por aquele tempo, outras havia para registar, publicadas umas páginas antes e outras depois, tão pornográficas como estas, ou mais ainda. Senão vejamos:
Uma notícia dava conta da exigência de um pai, ferido pela morte de um filho electrocutado num semáforo do Campo Grande (creio), uma tragédia ocorrida há uns anos, e a quem a Câmara municipal de Lisboa indemnizou (tenho muitas dúvidas no campo estrito da ética, deste tipo de indemnizações), e que agora exige o cumprimento de uma outra promessa autárquica, nem mais nem menos que a atribuição do nome do rapaz a uma rua da capital…
E que dizer da nomeação para rei de um Carnaval qualquer, de um rapazola, irmão inocente de um modelo que tentava ser actor nos morangos com açúcar e que morreu numa curva da vida carregado de estupefacientes que usava, diz-se, para aguentar o ritmo estúpido da vida que levava e que aceitou viver, precisamente porque é irmão do falecido?
E que dizer da notícia da taróloga Maya, agora pivot de uma televisão, a levantar a blusa à saída do talho, perdão da clínica, para mostrar as mamas novas adquiridas num supermercado de carne, algures em Lisboa ou nos arredores?
Mas voltando a Courbet e à célebre vagina, e só para rematar: a desculpa do segundo comandante, por quem, repito, tenho estima, invocando razões de segurança, esconde qualquer coisa.
Quem é que verdadeiramente está por trás da história?
Que poderes se escondem?
Quem fez as denuncias?
Quem é que se melindrou com a capa do livro? Essa é a história que não sabemos e que, se calhar, nunca iremos saber.