segunda-feira, março 02, 2009

crises

Acompanhei de perto algumas das lutas estudantis. Estive perto de muitas reivindicações, de anseios genuínos, de algumas decisões erradas, mas também, é justo dizê-lo, de muitas decisões justas, fruto de muitas preocupações sérias.
Mas nunca percebi a cedência das associações em matérias que me pareceram, desde sempre, coisa errada. Uma das decisões que me pareceram menos certas, para usar um eufemismo, foi a questão das propinas. Talvez porque se pensasse que a luta contra as propinas era uma batalha perdida, as associações académicas – e a do Minho especialmente – envolveu-se numa luta política (e isto equivale a dizer a uma luta discutida, negociada) por um serviço social abrangente, capaz de corrigir as assimetrias que o sistema de pagamento obrigatório iria promover. Nem era difícil chegar a essa conclusão. Numa sociedade desigual, com fortes assimetrias económicas, e as outras que lhe estão adstritas, a obrigatoriedade de pagamento da educação, uma das bandeiras de Abril de 74, tornou ainda mais desigual a coisa. Vivia-se o tempo do menos estado mas melhor estado. Balelas, como se comprovou, que se foram consentindo e que agora deram nisto… O argumento perante a dificuldade de alguns – tantos – estudantes, em pagar as famigeradas propinas, logo era rebatido com o contra-argumento das mais valias sociais que o estado estava disposto a oferecer aos estudantes: conforme a folha de pagamento de impostos dos papás, assim os filhos eram ressarcidos com abonos e não sei que mais. Tudo tretas, como era de calcular. Porque se a proposta do estado fosse bondosa, far-se-ia exactamente ao contrário: ninguém pagava e, depois de analisadas as folhas de impostos dos paizinhos, os que mais ganhassem, mais pagavam e assim por diante. Mas isso, disse-se, era impossível. Claro está que quem paga a factura, nestes casos, é sempre o mexilhão, ou seja, o assalariado que tem de expor na famigerada folhinha do IRS todos os rendimentos auferidos, enquanto os patrões podem esconder os proveitos como bem entendem. Não por acaso, no parque de estacionamento aqui de Santa Tecla, durante uns tempos, estacionavam alguns carros de valor mensurável, apesar dos seus proprietários serem bolseiros, com direito a bolsas, residência e não sei que mais. Coisas desta democracia.
Claro que em tempos de crise, o problema tende a agravar-se. Assim, foi sem espanto que li, um dia destes, num jornal qualquer, a notícia que dava conta das dificuldades de imensos estudantes em pagar propinas. Dos atrasos em muitos pagamentos e do que isso representa para as universidades, necessitadas desses recursos para a sobrevivência das escolas, apesar de se dizer, quando se implementou essa obrigação, que era dinheiro destinado à acção social escolar. Mais lérias, portanto. Mas, mais grave ainda: da universidade da beira interior, chegam-nos notícias a dar conta do recurso de não se sabe exactamente quantos estudantes, ao banco alimentar contra a fome, sendo que muitos mais, tantos tantos, não o fazem por vergonha.
Vergonha que devia ter o Estado, que deixa que estas coisas aconteçam. Que desbarata competências como se elas valessem zero; que permite que a clivagem entre alunos se cave cada vez mais. Já não bastava as diferenças incontornáveis que derivam do facto de uns terem biblioteca em casa e outros não. De uns terem estudado em colégios particulares e outros não. Vergonha.