efeméride (1)
Estão frias, finalmente, as espingardas dos soldados das trincheiras da primeira grande guerra,
aquela que teve portugueses,
lavradores - muitos - que a guerra quis que continuassem a cavar a terra,
e nela abrissem novas covas onde se haveriam de enfiar,
soldados-toupeiras,
defuntos enterrados vivos, à espera da metralha que os haveria de matar.
Mas agora - sabe-se - as espingardas começaram a arrefeceram nas mãos dos soldados,
- soldados que a guerra, ela mesma, arrefeceu,
mais frios, os soldados, que o próprio ferro das armas que já não disparam,
mais frios que o aço, -
num dia 11 de Novembro, como o que passou.
Os zepelins cansaram-se de bisbilhotar os céus,
de verter bombas como água sobre as tropas inimigas,
- e inimigas eram todas as tropas: as nossas, que viam nos outros, os inimigos; os outros, que viam nos nossos, os mesmos inimigos que odiavam e queriam abater...
As trincheiras estavam plenas de mortos,
soldados imprevidentes que cavaram sepulturas sem saber o que estavam a cavar,
sem imaginar a Pompeia que estavam a construir,
só que sem vulcão e sem lava;
O cigarro apagou-se na boca do soldado...
(incrível, ainda há bocado ardia,
via-se bem a pequena coluna de fumo que saía daquele buraco,
por trás daquele arbusto que já desapareceu);
O papel de carta acabara-se havia dias,
os envelopes, a tinta, os selos,
tudo idem aspas;
Até as palavras parece que se tinham acabado na narração da saudade,
na narração do medo;
A primeira grande guerra acabou
em 1918,
hurra! hurra!,
e só então se descobriu que, com ela, se acabou um niquinho da humanidade
uma lasca dela,
sepultada nas trincheiras da história.
Talvez chovesse nesse dia.
Talvez fizesse frio.
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