terça-feira, junho 05, 2007

já chegámos aos açores

As coisas são como são.
Às vezes damos por nos fora do nosso centro, destituídos do que supúnhamos ser nosso, fora da nossa realidade. E isso é uma machadada tremenda na nossa dignidade e, na nossa expectativa.
Por exemplo: revemos um filme de que guardamos, por esta ou por aquela razão, uma memória forte e, de repente, o filme, sendo o mesmo do tempo da memória, não se relaciona com o que guardamos nela. O filme atraiçoou-nos, ou, pior, a memória que temos do objecto fílmico, cometeu traição grosseira contra nós. Neste caso, ficámos destituídos da memória do filme, espoliados dela que não dele, que esse, continua a existir na imutabilidade do DVD ou da cassete vídeo.
Outro caso: um petisco de que gostamos particularmente. Requisitamo-lo num restaurante. As papilas gustativas preparam-se para o receber. Crescem as acrobacias que fazem na medida da espera. Quando finalmente chega o desejado prato, ele revela-se uma fraude: não tem nada a ver com o sabor original. Do prato apreciado, apenas resta o nome porque é designado na ementa do restaurante. Ficamos a salivar e sem o reconforto do afago do sabor desejado.
O caso ganha contornos ainda mais decepcionantes, mesmo desesperantes, quando a conta que tínhamos aberta num banco qualquer, por exemplo, foi esvaziada sem que o soubéssemos. E há casos assim. E não tão poucos como se pensa.
E agora parece que temos um caso semelhante que importa reter e reflectir:
Portugal é um país independente, pois, constituído, sabe-se, pelo corpo continental, que vai do Minho ao Algarve, ou ao allgarve como agora lhe chamam, mais o conjunto de ilhas a que chamamos Açores e outro a que chamamos Madeira. Já tivemos outras partes do mundo, mas a pouco e pouco fomos perdendo esses pedaços, para alguma gente, membros efectivos do corpo nacional, tipo braço ou perna, para outros, apenas adereços que serviam o tal corpo continental, género, óculos, muleta, prótese dentária e por aí adiante.
Mas o arquipélago dos Açores, sabe-se, ainda faz parte deste corpo nacional, seja ele brinco ou orelha, conforme consideração de uns ou de outros.
As forças armadas dos Estados Unidos têm uma base lá, com militares claro, mas também com funcionários vários, desde jardineiros a cozinheiros, e eu sei lá quem mais. Alguns, açorianos e tudo. E de vez em quando, precisam de contratar gente. Ou porque se reformam os velhos funcionários, ou porque terminam contratos, ou seja lá qual seja a razão. Mais uma vez, há um concurso aberto, desta feita para oito ou nove funcionários. Podem candidatar-se cidadãos dos países da NATO, de que Portugal também é membro. Mas, e aqui é que a porca torce o rabo, salvo seja, os portugueses estão arredados deste concurso, por decisão expressa no documento que o publicita. Os americanos não nos querem lá, é o que é. Pode candidatar-se qualquer pessoa, desde que não seja portuguesa. Está escrito tin-tin por tin-tin.
O problema é que se calhar, os Açores já não são Portugal e esqueceram-se de nos dizer. Ou então os americanos estão a confundir os Açores com Guantanamo. Também pode ser.