sábado, maio 15, 2010

braga[nça] - memórias

Passei há muitos anos por Bragança.
O grande Teatro da Torralta, onde me lembro de fazer espectáculo, (cine-teatro, corrigem-me agora... tenho de consultar um livrinho que eu cá sei...), fechou e há que tempos. Era uma coisa descomunal, pelo menos na lembrança que tenho dele. O fosso era uma armadilha mortal. Morria-se, se se caísse nele. Creio ter feito os espectáculos (ou o espectáculo... não tenho memória exacta se foi uma ou mais que uma, as récitas que lá fizemos – e creio que foi uma coisa que se chamava SUPPAPOS, TACHOLETAS, PONTAPÉS & ETC) a medir as distâncias para a boca de cena, não fosse correr o risco de sofrer uma tontura traiçoeira e cair no abismo.
O hotel que lhe estava agregado, da Torralta igualmente, fechou há meia dúzia de anos, também.
O fantástico restaurante, integrante do complexo turístico, idem aspas. Terá sido o último a fechar, resistente, com os seus empregados garbosos de casaca e luvas.
O Dr. Fernando Subtil, personalidade que recordo ao lembrar-me deste episódio, encerrou igualmente a sua vida, sem ter visto o novo teatro em funcionamento. Disse-mo a programadora do novíssimo teatro municipal, que foi aluna dele, e de quem tem, sente-se, uma memoria agradecida.
Todas estas recordações de Bragança existem agora apenas na volatilidade da minha memória (e a de outros como eu) mas já não podem ser testemunhadas pela realidade da cidade. Esvaíram-se na realidade brigantina, ou bragançana.
Agora, as memorias são outras. Há a memória recente do movimento das Mães de Bragança, uma história de putedo com sotaque. As mulheres (casadíssimas) de Bragança começaram, com a proliferação do negócio da noite, a sentir-se em perda perente os maridos cada vez mais ausentes nas frias noites transmontanas, seduzidos pelo ataque brasileiro em larga escala e pelas aventuras que os novos estabelecimentos prometiam e cumpriam.
(Importa dizer que, pelo que me disseram, Bragança, até pela vizinhança com Espanha, sempre foi um sítio onde a putaria assentou arrais, É, por isso, uma terra com tradição secular, asseguram-me.)
Contaram-me a história de uma das mães, praticamente líder do movimento. Com os cuidados que se requerem. A senhora, de casamento desfeito e consumado o escândalo, com a fuga do marido – empresário - para a Venezuela, resolveu fazer-se à luta. Começou a frequentar o cabeleireiro, emagreceu, disfarçou a fealdade, cuidou dos filhos, (tinha um pequeno negócio) e fez pela vida. Porque, passadas as cinzas vulcânicas daquela relação descontruída, começou a entender que não era a única vítima daquela trapalhada (para além dos filhos), aceitou a brasileira por quem o marido andava perdido e fê-la sua sócia no negócio. As vítimas juntaram-se. E se a brasuca tinha jeito para a noite, depressa mostrou ter igualmente jeito para o dia e para o nogócio que a mãe brigantina praticava.
O mundo dá muitas voltas.
A capacidade de adaptação do homem é uma coisa que suplanta os mais optimistas.
As demais brasileiras abriram, com outros empresários bragançanos, novas casas nos arredores da cidade e estão bem, mesmo socialmente. Foram aceites sem mais ondas ou enredos.
Dos seduzidos não reza a história. Conta-se que quatro deles (pelo menos) apanhados na rede brasileira, fugiram para a Venezuela – mas porquê a Venezuela? Porque não o Brasil? - et voilà.
Desta história, só a memória - quasa - da anedota.
Desde os tempos que por lá passei, muita coisa mudou.
Agora, em Bragança, há o Centro de Arte Moderna Graça Morais, o Teatro Municipal, e vários equipamentos que podem dar qualidade de vida à cidade. E há o Instituto Politécnico com cerca de seis mil estudantes.
As voltas que a vida dá.
A interioridade já não é o que era. Mas continua a ser coisa difícil. Bragança ainda fica longe. Muito distante da nossa atenção.