terça-feira, junho 13, 2006

na tv

Eu não vi.
Não que tenha algum resto de pudor ou coisa assim mas, prontos, de facto, não vi. Eu, que sou viciado, e que, por mim, passaria o dia sentado (ou deitado) em frente a um bom aparelho de TV, desfrutando tudo o que de melhor a máquina me pudesse oferecer. Mas não vi. Não há nada a fazer. Contudo, à boa maneira portuguesa, tenho opinião sobre o que não vi. E vou dá-la.
Quando escrevo que «não vi», quer dizer que não vi o objecto em si, mas «vi» a promoção que dele faz a estação emissora, o que me deixa alguma margem de manobra. E, nesse espaço, vi uma coisa que nem sei exactamente como se chama, mas que deve ser qualquer coisa como «o meu incrível noivo», ou algo assim.
Ora, se bem percebi a coisa, trata-se de mostrar, na caixinha que mudou o mundo (sabe-se lá para onde…), uma espécie de jogo, em que uma rapariga, a troco de vinte mil contos, convence o mundo todo – sendo o mundo, o espaço que reúne algumas das pessoas que lhe são próximas: os pais, os tios, alguns amigos, etc – que gosta de um tipo execrável e que vai casar com ele. Por isso a rapariga tem de fingir intimidade com o ficcionado namorado, (ou noivo), até onde não se sabe. No espaço de promoção a que assisti, a conversa versava preservativos encontrados no quarto do hotel onde estavam «aprisionados», pelo que, penso, o sexo não estará completamente fora de hipótese.
Mas mesmo não chegando ao acto sexual, o programa encerra em si laivos de prostituição, essa é que é essa. Por vinte mil contos, ou seja com pagamento prometido, uma rapariga diz (a nós, através do seu clã) que gosta de um rapaz e que casará com ele. Este gesto proporciona-lhe vinte mil contos. E uma vida luxuosa durante o período em que vigora o contrato, que é o tempo em que a brincadeira dura.
Quando pensávamos que não era possível descer mais – e na verdade estamos sempre a pensar nisso, não é? – conseguimos escavar mais um degrauzinho em direcção aos infernos.
É caso para dizer: fosca-se (que é uma palavra que eu gosto muito, mesmo se inexistente).
Ou o mundo mudou muito, ou eu, que aqui há uns tempos troçava de tudo o que era convenção e que agora coro ao olhar para isto tudo, estou velho que nem um corifeu grego.
A porra dos valores envelhece-nos a olhos vistos, é o que é.