sexta-feira, fevereiro 12, 2016

das eleições

Marcelo ganhou e ganhou à primeira é isso merece ser destacado. Não precisou de resolver a contenda por moeda ao mar, nem nos penalties, não precisou de prolongamento, nada. Bastaram-lhe os 90 minutos regulamentares e, mais, ainda o árbitro não tinha apitado para o início da contenda, e já se dava como garantida a vitória marcelista.
Assim sendo, já temos substituto para Cavaco que, em março, como se sabe, desencavaca.
Marisa Matias, erradamente apodada como "engraçadinha" pelos "engraçadinhos" do jornal expresso, conseguiu um resultado importante: mais de dez por cento dos eleitores que votaram, e que foram menos de metade dos eleitores inscritos, o que também não deixa de ser notável.
Maria de Belém, candidata para dividir o eleitorado do PS que se aprestava para votar em Sampaio da Nóvoa, não conseguiu mais do que quatro por cento do total de votos, e tem agora a responsabilidade de, como cidadã responsável pelas suas decisões, pagar as despesas de campanha, e que são muitas. Ui, que vai doer. Felizmente que, perante a recusa do PS em avançar com o pilim, há uns quantos destacados militantes que já enfiaram as mãos nos bolsos e, do meio do cotão, desenterraram uns quantos euros para ajudar à despesa, pedindo ao grosso da militância que faça o mesmo.
Aliás, só os três primeiros classificados é que terão o Estado português a ajudar aos custos de campanha. Marisa e Marcelo são dois deles, e no meio, Sampaio da Nóvoa, talvez o grande derrotado da noite, ao contrário do que foi dito. Era o único candidato capaz de forçar uma segunda volta, se lograsse desmontar o discurso de Marcelo, que não conseguiu. A tarefa não era fácil, convenhamos. Teria sido preciso garantir apoios que já tinham destinatário, precisamente Marcelo, e Sampaio não conseguiu.
Na derrota, talvez tenha sido derrotado pelo candidato do PCP. Como sempre acontece, o PCP lançou na corrida um candidato para garantir tempo de antena e marcar posição. Sempre supus, sempre-sempre, que seria para desistir da corrida, antes do momento decisivo, declarando o voto noutro candidato, se o houvesse, interessante e disponível. Mas não. Foi até ao fim, na convicção de que, havendo segunda volta, ainda iria a tempo de triangular eleitorado com esse candidato. Mas Marcelo limpou tudo à primeira, evitando quaisquer confusões que pudessem trazer dúvidas a quem quer que seja. A derrota de um, não querendo estabelecer paralelos, coincidiu com a vitória do outro. Marcelo, que tinha a sede de campanha mesmo ao lado do palácio de Belém, foi à faculdade de direito onde é professor fazer o discurso de vitória e a faculdade, diz-se em muita comunicação social que a troco de setecentos euros, cedeu o espaço. A ser verdade, este é o retrato perfeito do país que temos. Serve a quem serve, este estrangulamento das instituições. Vendem-se por meia dúzia de tostões. Sujam-se por dez reis de mel coado. Na educação, como na saúde. Na política como na cultura. Ou não é verdade que, bem intencionadamente, muitos de nós já contribuíram para a aquisição de um pedacinho de um quadro do pintor português Domingos António Sequeira (1768-1837) para o museu de arte antiga, A ADORAÇÃO DOS MAGOS? Não somos diariamente chamados a ser financiadores individuais de um serviço de acção social popular, realizado através de inúmeras instituições que, caridosamente, substituem o estado nos deveres primeiros de solidariedade e apoio aos mais desfavorecidos?
Não foi este o facto mais importante, mas é demonstrativo do estado das coisas.

Até porque elas, as coisas, estão todas ligadas.

na passagem de um ano para o outro

O ritual é o de sempre, que de tão velho, já cansa. E, coisa estranha e contraditória, por ser tão ‘mais do mesmo’, é uma coisa que se renova em todos os anos, que se reserva como na boa culinária, para se celebrar na hora certa: a poucos segundos da meia noite de todos os dias trinta e um de dezembro, milhares/milhões de pessoas celebram esses últimos segundos e os segundos que dão início a um outro ciclo de contagem de tempo, isto é, um outro ano, como se alguma coisa de substancial mudasse nesses momentos contraídos e, passasse a ser, matéria festejável.
As coisas que se fazem nesses momentos, são do mais estranho que se pode imaginar fazer. Só alguns exemplos para atentarmos à estranheza: subir para uma cadeira e agitar dinheiro, ou pelo menos com dinheiro no bolso, mesmo que haja gente que prefira ter dinheiro enfiado nos sapatos; comer doze uvas-passa, uma-a-uma, à medida que os últimos doze segundos do ano se escoam; atirar tachos velhos pela janela fora, mesmo que em tempo de crise apenas se bata neles com os respectivos testos; estrear roupa interior, íntima, e de cor preferencialmente azul; estoirar as rolhas do espumante (sim, que o champagne está inacessível ao comum dos mortais) no momento da viragem e emborcá-lo sem parcimónia; fazer coincidir a esse estoiro popular o ribombar de um festival de fogo de artifício, tão longo quanto a profundidade das finanças das autarquias que os encomendam, et por cause, os pagam, conseguem; promover uma maratona de S. Silvestre e assistir, enregelados, ao esforço dos atletas quase em hipotermia; assistir ao encerramento de um programa televisivo, em que várias pessoas voluntariamente fechadas num sítio qualquersão, finalmente, libertadas e regressam ao anonimato; mergulhar nas águas geladas do Atlântico como se estivéssemos no Brasil... e por aí fora, que estes são apenas alguns dos pequenos-grandes gestos que todos os anos repetimos com aparente agrado.
Para mim, que substituí o cabrito na primeira refeição do ano por um valente robalo grelhado com legumes, querendo nessa mudança sinalizar qualquer coisa que está entre o desejo disso mesmo, mudança, parece-me tudo muito estranho.
Sou pelo Natal, uma quadra da família mais íntima, contra a ideia do reveillon, uma coisa orgiastica e mundana; sou pela Páscoa, quadra da família mais ampla, contra outra ideia qualquer mais massificada. Mas sempre pelo alegre e fraterno convívio.
Outra das tradições muito cultivadas, são as mensagens de Natal e Ano Novo do senhor Presidente da República.
E isso lembra-me – ora, aqui está uma coisa de que gosto, excepcionalmente, este ano - que assistimos às últimas mensagens de Cavaco, na condição – claro está - de Presidente da República.
Destes dois mandatos, pouco ou nada ficará, nem o olhar embevecido com que mirou a felicidade e o sorriso das vacas, nem as mãos cheias de vacuidade com que simulava gestos que, de algum modo, coindidiam com o discurso.
Nada. Nem isso. Nem as conchas das mãos vazias e artificiais.
A da rainha santa Isabel, a mão, essa poderá ser vista, trezentos anos depois da morte, no convento de santa clara a velha em Coimbra.
Pois, mas Cavaco não é a rainha Isabel, e o carro com que foi fazer a rodagem à figueira da Foz, não é o regaço da Santa cheio de pão aos pobres. Cavaco sempre viajou na autoestrada das rosas, nunca no caminho do pão.
Dele não restará mais que uma vaga e triste lembrança, ao passo que a mão da santa pode ser vista em Julho, em Coimbra. De Cavaco, em Julho, só devem restar recordações tristes, que nunca chegarão ao altar do povo.

É que Cavaco, nunca viu para lá de Coimbra B.