sábado, novembro 29, 2014

casa dos segredos da justiça

Foi um verdadeiro tremor de terra, este que acossou o país na sexta-feira da semana passada, no preciso momento em que uns quantos policias foram buscar ao avião acabadinho de aterrar, um ex primeiro ministro de Portugal, levando-o detido para o tribunal de modo a, identificando-o formalmente, o constituírem arguido num processo complexo, cujos primeiros passos terão sido dados nos dias seguintes, com o país liquido pendurado nas televisões, ora vislumbrando umas sombras através de um cortinado curto para corpo tão largo, ora perseguindo e espreitando para dentro de carros, e fazendo o exercício do reconhecimento de outros detidos (e algemados), adivinhando processos, percursos, intenções.
Por estes dias, a justiça parece ter-se transformado num programa de televisão, mas dos manhosos, uma espécie de reality show judiciário. Não sendo propriamente culpados os seus agentes protagonistas, mas não conseguindo escapar à comparação e, mesmo, pouco ou nada tendo feito para obviar isso mesmo, o exercício da justiça, com os seus intrincados caminhos, é pasto propício para a degustação alarve da colectividade em coma pronunciado. Mesmo as personagens envolvidas são criaturas cheias de sumo: ora é o advogado goez de língua fácil e afiada a trazer o picante para a rua do espectáculo, ora o super juiz do processo apanhado em procissões nocturnas pela câmara de vídeo do amigo.  
Durante horas seguidas, as televisões acompanharam todos os pretensos passos da justiça; os comentadores adivinharam todas as possíveis respirações; experts da criminologia intuíram e anteciparam (normalmente mal) todos os trâmites legais; todos os sorrisos ou esgares de José Sócrates foram escrutinados e interpretados por especialistas do mal; jornalistas de investigação derramaram todas as anotações dos blocos de apontamentos por onde todos andaram a copiar; políticos vieram assumir a vingança e, com ela, o sangue que desejaram; e jornalistas desaparecidos das primeiras páginas, regressaram à polémica como se nunca de lá tivessem saído.
Teremos novela por muitos meses, senão mesmo nos próximos anos. Na verdade, uma novela que ameaçava, e que já tinha tido umas quantas gravidezes histéricas e há que tempos. Que José Sócrates, enquanto teve poder, sempre soube alijar, sacudir do capote, molhando-se nesta ou naquela poça de água, mas nunca se constipando. Agora a gripe caiu-lhe em cima. Se calhar com justiça, logo veremos. Não apenas a gripe, mas uma espécie de legionella mortal abateu-se sobre a sua capacidade pulmonar, e agora dificilmente escapará à purga. Por mais sorrisos que lance ao cruzar-se com uma câmara, agora sabe-se, é público, que padece da doença.
O incrível na história da infestação, é sabermos nós que as torres de refrigeração - que não tiveram manutenção e que, consabidamente, são foco da contaminação - não podem ter tocado apenas aquela criatura. O território político está contaminado. Sabemo-lo há muito tempo. E contaminado de forma mais ou menos democrática. O poder corrompe. E as histórias de corrupção sucedem-se. Portugal é uma vila franca, e o termómetro, como o algodão, não engana. A doença foi espalhada, disseminada pelo ar político e, por isso, aguardamos agora o anúncio dos próximos casos. A lista completa dos contaminados. Se mais ninguém se chegar à frente, é porque a mentira continua.

O que nos vale, é que voltou o futebol.

sexta-feira, novembro 14, 2014

crónica dos nossos dias

A legionella, uma bactéria que tem nome pró-militar ou coisa que o valha, parece uma coisa saída da primeira guerra mundial. Parece que ainda vem fardada, com o uniforme amarfanhado e a cheirar a pólvora das trincheiras, e espera que se lhe bata a continência. Chama-se tb doença do legionário e atacou forte em Vila Franca de Xira. Sabe-se lá porquê, e como..., cerca de duzentas e cinquenta pessoas já foram hospitalizadas e cinco morreram mesmo, pelo menos à data em que escrevo esta crónica, ainda que muitas mais estejam confinadas aos cuidados intensivos de diferentes hospitais, o que não deixa antever nada de bom.
Que raio se terá passado em Vila Franca de Xira que levasse a que tanta gente, tocada pela mesma bactéria, a ter necessidade de recorrer aos serviços hospitalares?
Menos obvia, sempre me pareceu a possibilidade de contaminação por causa da substituição do Padre Roberto, ex-pároco de Canelas, (que consta, é o primeiro pároco no desemprego), por um outro padre da diocese do Porto, apodado pelos canelenses como padre profissional ou mercenário. O profissional, perante as dificuldades anunciadas de substituição do padre amado (certamente não-amador) porque era pessoa querida na terra, avisou que não tinha medo dos pistoleiros da paróquia, e em pleno jornal (creio que no Correio da Manhã), foi-se armando ao pingarelho, que não tinha medo e não sei quê mais, e quantos são? quantos são?. Por via das dúvidas, não vá o diabo tecê-las, ao rezar a primeira missa lá na terra, levou, como sacristães, uma força de intervenção da GNR. Um para ajudar à missa, um para as leituras, outros para os momentos corais, mais um para tocar orgão, e assim sucessivamente. No momento do “ide em paz e o senhor vos acompanhe”, os sacristães pegaram nos cacetetes e escoltaram o padre até à viatura, enquanto na rua os populares, que entretanto cresceram e se multiplicaram, endossavam ao padre, generosamente, os bens que possuíam: ovos, tomates, e etc. Talvez que também legionella.
Mas não era crível. Canelas é muito cá para cima no território nacional, é uma freguesia de Gaia, e Vila Franca está distante, muitos quilómetros, a sul. Mas como todos sabemos, para baixo todos os santos ajudam.
A legionella manifestou-se mais abundantemente em 1976 após a realização de um fórum com ansiãos americanos ex-legionários, que no regresso às suas casas, carregados de medalhas e medalhinhas, taxas e taxinhas, regressaram a casa contaminados com peneumonias várias. Daí chamar-se-lhe a doença do legionário...
Não creio que tenha sido coisa semelhante, pulmunar, legionella transformista, o que contaminou o ministro Pires de Lima. Mas o que é facto, é que uns dias antes da desgraça de Vila Franca, uma outra ocorreu na Assembleia da República, sem que nada o fizesse prever, e deixou meio mundo de boca aberta. Talvez tenha sido isso que aconteceu aos habitantes ribatejanos: ficaram de boca aberta perante a performance ministerial, e terá entrado mosca e com ela, a danada da bactéria liquefeita. É outra hipótese, só para que conste. Ou pode ter saído asneira, que acho que foi o que aconteceu.
Mas dizia eu que Pires de Lima abriu a boca e num tom arrastado, com elocução excessivamente pronunciada, com curvas e mais curvas quase ao jeito de montanha russa, deu uma série de recados. Aparentemente a António Costa, mas não se percebeu muito bem. O tom arrastado com que os deu, foi mais importante que o conteúdo do recado propriamente dito...
Provavelmente, Pires de Lima já estava contaminado pela legionella criativa e, olha, deu-lhe para aquilo. Mais, o facto de ter querido ser criativo, como afirmou no dia seguinte.

Assim vão os nossos dias.