eu faço greve
Há muito pouco a fazer por um país, ou
por um povo, que se renega, renegando a cultura que é a sua e que é, grosso
modo, o que o distingue dos outros países e dos outros povos. Como se a cultura
fosse uma febre que ataca todos aqueles que se abrigam naquele calor e se
irmanam ali, os doentes e os sãos (ainda que com o desejo da doença) ao mesmo
tempo. A cultura, essa coisa mais ou menos abstracta e indefinida, pode,
contaminando-nos a todos, salvar-nos, resgatar-nos da brancura e lançar-nos
para uma impureza colorida qualquer, que é a grande pátria onde nos alimentamos
sem saber que nos estamos a alimentar. Ou sabendo...
Somos o que pensamos, como pensamos, na
língua em que o fazemos. E pensamos de acordo com o que somos, no tempo em que
vivemos.
Ora acontece que temos vindo a sofrer
por dentro, (que é, entre os sítios mais profundos da nossa intimidade, aquele
onde se sente menos, onde o grito é mais silencioso), de forma truncada,
perversamente mascarada, as amputações que todos os dias nos apoucam e que, no
conforto das conquistas alcançadas, na publicidade enganosa com que nos
bombardeiam, julgávamos ser coisa impossível. Mesmo que agora, quase nos pareça
coisa normal, inevitável.
Só que, dolorosamente, descobrimos que
para lá dos anéis desgraçadamente perdidos - essa ideia de civilização educada
- nem já os dedos conseguimos manter, ainda que insistam connosco na discussão
acerca do verniz que devemos usar nas unhas.
É por isso que neste dia 27 importa
dizer aos que mandam em nós, democrática ou ardilosamente eleitos, que não
embarcamos mais nessa falácia. Que a cultura não é ornamento de salsa que pomos
atras da orelha - coisa que embeleza e perfuma - enquanto nos enfiam pela
calada da noite, na ditadura do forno. Dia 27 dizemos não à salsa e ao forno. E
à discussão acerca do verniz. Reivindicamos os dedos e resgatamos os anéis, que
são coisa de somenos, ao lado do esbanjamento de que são responsáveis os que
nos governam (ou governaram) e de que são, a maior parte deles, pérfidos
beneficiários.
Apelo aos trabalhadores da coisa
cultural deste pais, que reforcem as trincheiras da resistência, neste glorioso
dia de greve geral.
Se estivermos unidos, talvez consigamos
uma força capaz de fazer reverter esta política de terra queimada que nos
apouca.
TODOS À GREVE GERAL.
António Durães
(actor)