grândolas
Se me
permitem, começo esta crónica regular, assim a modos que à espreita,
resguardado numas quantas pausas que mais não são do que espreitadelas para
bastidores, à procura da interrupção perpetrada por um grupo mais ou menos
organizado que venha, à surrelfa, cantar a Grândola Vila Morena a estes
microfones, enquanto desfio as contas deste rosário/crónica, mesmo que
desafinada.
Virou
moda, é o que é, internacionalizou-se, ou então a malta acha que sim, que esta
é que é uma forma justa de empurrar as suas ideias, de contestar a vida que lhe
está a ser imposta, de se organizar numa rebelião qualquer, à volta desta
fogueira musical que José Afonso acendeu um dia e que permanece ateada tantos
anos depois.
Relvas há-de ter tido ocasião de treinar a sua condição
predilecta, o estado de insónia, depois de ter ouvido mais uma versão da
cantiga do Zeca, e mais, depois do acto falhado que foi tentar acompanhar as
vozes numa canção que, definitivamente, não conhecia, nunca ensaiara e,
provavelmente, detesta, deu um passo muito além da capacidade cívica das suas
pernas, porque o homem desafina que nem um desalmado. Aliás, afinar afinar, só
se for mesmo com os interesses que defende, sejam eles quais forem, onde, aí
sim, se mostra exímio, capaz de cantar a vozes, com uma correcção técnica fora
do comum. Mas dessa afinação prescindimos nós, ai o catano.
Ao
contrário das insónias confessadas de Relvas, Passos dorme bem, disse, ainda
que pouco.
Mas
também ele já sofrera o aço frio da cantiga zéquiana. Aliás, por mais anedota
que seja, passos já estava na cantiga, como se ela tivesse sido escrita para
ele, ou pelo menos gravada para ele, muito antes do primeiro ministro sofrer os
seus acordes e melodia minimalista naquela reunião da assembleia da república.
É que na gravação em paris, uma data de pés sobre gravilha gravaram os passos
que se ouvem na gravação. Passos, para Passos ouvir muitos anos depois, mesmo
que ele entenda que de todas as interrupções possíveis, a Grândola é a de mais
bom gosto.
Se for
de tão bom gosto como a versão cantada por relvas, desafinada e ridente, altiva
e tristemente (ou tragicamente) patética, estamos falados.
Se o
cinismo pagasse imposto, Passos e Relvas estavam lixados.
Até
porque, certamente, engoliram a humilhação como se fossem os sapos de
antigamente, mas agora sapos liberais, da direita, e não pediram factura.
Merecem ser multados.