sexta-feira, fevereiro 22, 2013

grândolas


Se me permitem, começo esta crónica regular, assim a modos que à espreita, resguardado numas quantas pausas que mais não são do que espreitadelas para bastidores, à procura da interrupção perpetrada por um grupo mais ou menos organizado que venha, à surrelfa, cantar a Grândola Vila Morena a estes microfones, enquanto desfio as contas deste rosário/crónica, mesmo que desafinada.
Virou moda, é o que é, internacionalizou-se, ou então a malta acha que sim, que esta é que é uma forma justa de empurrar as suas ideias, de contestar a vida que lhe está a ser imposta, de se organizar numa rebelião qualquer, à volta desta fogueira musical que José Afonso acendeu um dia e que permanece ateada tantos anos depois.
Relvas há-de ter tido ocasião de treinar a sua condição predilecta, o estado de insónia, depois de ter ouvido mais uma versão da cantiga do Zeca, e mais, depois do acto falhado que foi tentar acompanhar as vozes numa canção que, definitivamente, não conhecia, nunca ensaiara e, provavelmente, detesta, deu um passo muito além da capacidade cívica das suas pernas, porque o homem desafina que nem um desalmado. Aliás, afinar afinar, só se for mesmo com os interesses que defende, sejam eles quais forem, onde, aí sim, se mostra exímio, capaz de cantar a vozes, com uma correcção técnica fora do comum. Mas dessa afinação prescindimos nós, ai o catano.
Ao contrário das insónias confessadas de Relvas, Passos dorme bem, disse, ainda que pouco.
Mas também ele já sofrera o aço frio da cantiga zéquiana. Aliás, por mais anedota que seja, passos já estava na cantiga, como se ela tivesse sido escrita para ele, ou pelo menos gravada para ele, muito antes do primeiro ministro sofrer os seus acordes e melodia minimalista naquela reunião da assembleia da república. É que na gravação em paris, uma data de pés sobre gravilha gravaram os passos que se ouvem na gravação. Passos, para Passos ouvir muitos anos depois, mesmo que ele entenda que de todas as interrupções possíveis, a Grândola é a de mais bom gosto.
Se for de tão bom gosto como a versão cantada por relvas, desafinada e ridente, altiva e tristemente (ou tragicamente) patética, estamos falados.
Se o cinismo pagasse imposto, Passos e Relvas estavam lixados.
Até porque, certamente, engoliram a humilhação como se fossem os sapos de antigamente, mas agora sapos liberais, da direita, e não pediram factura.
Merecem ser multados.

para o dia mundial da rádio, no dia 13


Neste dia em que comemoramos a rádio, o mistério da rádio e a sua especificidade, uma comemoração genérica e à escala mundial bem entendido, continuamos a assistir, sentados, ao silêncio em prestamista da rádio universitária do minho, que há mais de um mês, alterna entre o silêncio e a mordaça, (através da qual alguns gemidos ainda se deixam ouvir), entre o cabresto curto e a trela estranguladora.
E assim se vai vivendo, nestes tempos estranhos, onde a justiça pode ser substituída pela vontade do cidadão déspota sem que nada de especial aconteça, criaturas capazes de impor uma lei, no caso a sua e a dos seus interesses inconfessados, da sua lei construída e alimentada pelos tantos tratos cúmplices, que estes tempos, e os de um antanho recente, alimentam e deixam suficientemente defendidos.
Aparentemente, esta capa de mistério está na génese da radio. Há um mistério na radio, que nenhuma outra forma de comunicação consegue suplantar. Nem igualar sequer.
E essa capacidade exprime-se, consubstancia-se, na animação da voz sem corpo, da boca sem rosto. Ou dito de outra maneira, uma boca que é rosto, uma voz que é cara, sons que são olhos e que veêm, olhos que se dão a ver... vendo.
Com os constrangimentos a que está exposta e, assim, imposta, a RUM está impedida, não apenas no plano legal mas também no plano formal, de cumprir a sua função, a função que é a sua natureza, comunicar com o ouvinte, espectador passivo que recebe a mensagem.
O silêncio a que está votada, ao contrário da ausência de identidade física das suas vozes, tem responsáveis. E estes têm rosto, cartão de cidadão, nome, empresa, empreendimento, dívidas, poucas dúvidas, chão que os sustêm, poderes que os apoiam.
E, caramba, eles não podem fazer tudo aquilo que lhes apetece e continuar impunes, instalados à sombra das brechas da lei, dos compassos e pausas que a formalidade legal obriga o tratamento destes assuntos.
Mas às vezes, há umas janelas de oportunidade que se abrem.
Por exempo, esta:
Vêm aí umas eleições autárquicas. Este ano.
Não querendo misturar alhos com bugalhos, ainda assim, não será uma optima oportunidade, esta, de fazer pagar com os ferros adequados, as feridas que os seus ferros nos infligiram com este silenciamento?
Numa próxima oportunidade, falarei de nomes e responsabilidades.
Entretanto, resta-nos ir, nos intervalos das ondas, escutando sob o lema que a RUM assumiu desde o seu início, sacado da obra do grande Mário de Sá Carneiro, no éter, no etéreo, com a certeza de que É no ar que ondeia tudo! É lá que tudo existe!
Até já.

o porco e o gnr


Um dia destes, um soldado da GNR, no afã de pôr uma criatura foragida na linha, pontapeou-a perante as câmaras de televisão, quando essa criatura se esquivava, ligeira, por entre dois perseguidores, humilhando mesmo um deles, que no chão, não sei se riu se chorou: a câmara da tv seguiu a criatura, abandonando o perseguidor no chão da derrota sem retorno. Uma espécie de castigo e humilhação públicos, num momento em que o meliante fugia a quatro pés. Não consta que a criatura tenha cometido qualquer crime. O crime, se de facto de um crime se tratava, foi o facto do transporte em que a criatura circulava com outras criaturas, se ter esbardanado numa curva do caminho. Entre mortos e feridos, alguns escaparam ilesos, como era o caso daquele ser apavorado. Inocentemente, ou talvez não, - porque atrás dessa viatura seguiam uns quantos autocarros cheios de professores para uma manifestação em Lisboa, e que assim sendo, fizeram marcha atrás e regressaram às suas terras de origem - os gêéneérres procuraram os sobreviventes e entre um pontapé ou uma palmada correctiva, lá cobseguiram reunir as tropas.
Mas voltemos ao pontapé da autoridade.
Importa dizer que a criatura pontapeada pelo GNR era um porco. A criatura de que falei até agora, era um porco. Ou uma porca, que a notícia, nesta matéria, era inexplícita.
Volvidas horas, uma semana, já se sabe que o senhor agente levou com um processo em cima e, dependendo do desenrolar do processo, poderá ficar sem 4 meses de salário.
Ou seja, os inquéritos fazem-se céleres desde que reportem a agressões da autoridade a porcos. Se for um cidadão cidadão, que se lixe, pode esperar. O cidadão aguenta a espera. Ai aguenta, aguenta, no dizer de senhor manda chuva de um banco, ainda por cima com um apelido sui géneris, "o rico", abrenuncia, como se nós já não soubéssemos. Pois se um sem-abrigo aguenta, ou um porco, porque é que um cidadão-cidadão não há-de aguentar?
Quem também tem "o rico" no nome é a britalar, a empresa que controla o negócio dos parques de estacionamento à superfície em Braga. Um negócio e pêras, e por várias razões: pelo preço do estacionamento, mais caro que no porto, por exemplo; pela garantia de aumento do perímetro de vinculacão contratual; porque terá, para melhor cumprir os seus lucros, uma forca policial a quem não vai pagar, a zelar pelos seus interesses, ou seja, mão de obra fiscalizadora de borla; e porque não tem concorrência de ninguém, a não ser os que controlam o estacionamento subterrâneo, que são outra empresa.
Quem perde? O cidadão que, de dia, não poderá livremente recorrer aos serviços que a cidade lhe oferece, no centro da cidade, onde o constrangimento é mais feroz; e o comércio tradicional que fica a perder, e grandemente, com o acesso condicionado.
E o que é que os porcos têm a ver com esta história? Os porcos fugidos do acidente, e as botas processadas do GNR?
Decidam vocês, que quem não quer apanhar com um processo, sou eu.