sábado, abril 09, 2011

eleições

Cavaco Silva marcou as eleições para o dia 5 de junho, numa manifestação pública incontornável, (ele tinha de a fazer, mais dia menos dia), de extraordinario interesse nacional e dificuldade extrema para si. Para si... Cavaco, Presidente Cavaco, que teria certamente preferido ficar caladinho que nem um rato durante mais quatro anos, adiando o inevitável, pelo menos nessa matéria, esmagado pelo peso de decidir o que quer que seja, com vontade de fazer alguma coisa que o reconcilie com o partido de onde vem e para onde tornará como referência última, logo que termine o suplício destes quatro anos em que será chamado a intervir muito mais do que, porventura, desejaria. É um desejo óbvio de ser sem ter de ser.

Note-se que eu não acredito no menor desejo de acção de Cavaco. Ele quer ser o centro do mundo. Quer ser ele a montar no lombo do animal, ou pelo menos a mandar para lá quem ele quiser. Se ele não quisesse fazer nada, ficava como estava, quietinho no seu canto, professor de economia numa cinzenta universidade portuguesa, qualquer que ela fosse, a assinar sumários e a marcar faltas. O pior, presumo, era ter de dar notas a alunos que se engalfinham para ficar à frente uns dos outros, num desiderato que pode ser fundamental para toda a sua vida de futuros economistas. E o futuro é a economia, como se sabe. Mas isso... paciência. Não há bela sem senão, como se costuma dizer.

Mas não! Cavaco queria acção, sim, mas devagarinho. Não queria acção assim, escancaradamente, aos olhos de todos. Ele é mais homem de estar num gabinete a comer descansadamente a sua fatia de seu bolo rei, sem riscos de mastigar com mais força, danificar os dentes na armadilha da fava, ou fazer descaír ainda mais a mandíbula na voragem de uma dentadela mais profunda. Escrever ainda é como o outro. Pôr coisas no blogue da presidência, porreiro. Agora, por exemplo, falar em público. Até pode gostar, mas ele sabe que não o sabe fazer. Ler coisas em público é um suplício. Ou a saliva se acumula nos cantos da boca, ou fica seca que nem um bacalhau depois de dias de exposição solar. É muito mais fácil pôr a neta a dizer poemas no palácio de Belém, ensaiada pela avó Maria, professora reformada com uma pensão de oitocentos euros, ai a miséria. Se nem a Glória de Matos o salvou.

Por si, Cavaco não dizia nem ‘água vai’. Para quê? Ora, esvaziar água na praça pública tem dois objectivos: libertar a casa da água que já se usou, quem diz água diz outros líquidos já desnecessários; e/ou apanhar desprevenidos uns quantos cidadãos passantes. É sempre engraçado ver alguém ficar ensopado por um balde não anunciado. E quanto mais suja estiver a água, melhor.

Assim sendo, dizer que aceita a renúncia do governo, mesmo que tenha sugerido um ‘sobressalto cívico’ no discurso de tomada de posse, não adianta nada. Anunciar as posteriores eleições, é chover no molhado. Que remédio. Perguntar-lhe o que é que se deve fazer nesta ou naquela circunstância, isso é que já é vento para outro moinho. É vento interno, de gabinete, tratado no remanso do tapete fofinho, com o cão ou o gato aos pés, os netos brincando pelos corredores com carrinhos de bombeiros, uma neta a recitar poemas, mesmo com muito jeito, nos intervalos do conselho de estado, e uma fatia de bolo rei familiarmente partilhada entre todos.

E no palácio de belém, confesse-se, tudo tem outro encanto.